Tuesday, April 11, 2006

Se meu Focus falasse

"Lóóóógico!"
Foi essa a palavra que ouvi - com o som do "ó" bem prolongado - quando revi Paulinho, ano passado. Paulinho é o santo milagreiro que me ensinou a dirigir. Paulinho não é meu irmão, namorado ou amigo prestativo (e suicida) que se dispôs com benevolência a iniciar uma novata na arte do automobilismo. Paulinho era instrutor da "Auto Escola Jóia". Portanto, paguei Paulinho para desempenhar a missão (quase) impossível. A cruzada rolou há mais ou menos cinco anos. Em 2005, voltei à auto-escola para renovar a carteira de motorista. Foi quando Paulinho, simpático, me cumprimentou, pronunciando meu nome. Espantada com a recordação - cinco anos não são pouca coisa para quem lida com intenso entra-e-sai mensal de alunos -perguntei se ele lembrava mesmo de mim. Daí a incisiva resposta.
Não tinha mesmo como esquecer. E desconfio que não foi devido aos meus belos olhos, hehe. Fui a galinha dos ovos de ouro da "Jóia". Quase três meses de aula. De segunda a sábado. Paulinho suou. Teve trabalho para me botar nos eixos (ou melhor, para evitar que eu saísse deles e invadisse calçadas, praças, ribanceiras). Foi persistente e severo nos ensinamentos e broncas. Eu entendi exatamente o quanto Daniel-San penou nas mãos do Senhor Miyagi, em "Karatê Kid". No bacana "Kill Bill", Uma Thurman foi tratada com carinho pelo velhinho samurai Pai Mei, em comparação com o treinamento militar ao qual me submeteu Paulinho. Paulinho foi meu Mestre Yoda.
Paulinho era careca, um pouco gordinho. A cara de Nick Hornby, aquele escritor britânico que é rei na Indielândia (semelhança confirmada por um amigo, então vizinho, que também teve Paulinho como professor). Batia um certo desconforto olhar para aquele sujeito, sentado no banco do passageiro, e imaginar que eu era discípula de um sósia do homem que inventava personagens nerds e fracassados. Eu acabava por me sentir um. Principalmente após Paulinho acionar rispidamente o freio que mantinha ao alcance do pé, para conter meus ímpetos de revogar leis da Física e provar ao mundo que dois corpos podem ocupar o mesmo lugar no espaço (se dependesse de mim, o Golzinho de Paulinho teria sido fagocitado por um ônibus). Uma vez, perguntei a ele se eu era sua pior aluna. Ele silenciou. Quem cala...
Paulinho tomou conhecimento da minha vida. É difícil compartilhar horas com um estranho, dentro de um compartimento fechado, e não falar sobre si. Paulinho soube que meu avô paterno tinha dezesseis irmãos, que minha cachorra era vira-lata, que eu odiava canela. E suas aulas não tinham apenas caráter pedagógico. Em razão da extrema necessidade de....ahnnn...."aprimorar meu estilo", numerosos foram os percursos. Fizemos "city tour" completo. Com Paulinho, circulei pelas ruas limpinhas do Jardim Europa. Arrisquei nossas vidas nas Marginais. Embrenhei o frágil Golzinho pelas quebradas do Grajaú. Subi a rua da casa da Vovó, para me exibir para a família. Até que a zona urbana já havia sido toda explorada. Na falta de novos lugares, seguimos para a Serra da Cantareira.
Em uma bela tarde, depois de me despedir com um "até amanhã", Paulinho sentenciou: tinha acabado. Não havia mais o que fazer por mim. Ele já me ensinara tudo o que sabia. Agora era comigo, sozinha. Fiquei aflita. Era como se a mãe-pato expulsasse o filhote-pato da ninhada! Como me atrever a enfrentar o cruel mundo do trânsito sem Paulinho-pés-ligeiros do meu lado!? Cogitei em contratá-lo "ad eternum", o que seria esquisitíssimo: motoristas particulares, há de montes no planeta. Mas...."caronas particulares".....duvido.
Então, o inevitável. Me despedi com lágrimas nos olhos e fui para casa. No dia seguinte, lancei o Golzinho da minha mãe nas ruas. Sem minha mãe junto, porque ela disse que não era louca.
No final das contas, nunca envergonhei Paulinho....muito. Jamais danifiquei o patrimônio alheio. Nunca matei ou decepei ninguém. Também nunca tentaram me matar. No máximo, machistas recomendaram que eu fosse exercitar meu talento junto a um tanque de roupas. Ignorei o conselho. Hoje, meu Focus exibe alguns arabescos nas laterais, obras de um pouco de atrito com as paredes da garagem do prédio. Mas tudo bem. Dão um toque personalizado ao possante, hehe (e justificam a presença do vidrinho de cera líquida que carrego no porta-malas, junto com um paninho). Não corro, não dirijo como um trator desgovernado em um milharal. Sou uma dama ao volante.
Dirigir é maravilhoso. Recomendo. É terapêutico, você nem percebe. Posso até afirmar, com orgulho: sou como Ayrton Senna, guio melhor na chuva. E ter um carro é útil. Não apenas como meio de deslocamento. Carro é um prolongamento do seu quarto: você pode entulhar de CDs, espalhar farelo de bolacha nos bancos, tirar uma soneca. Sua mãe não vai ver.

Enfim....aprendam a conduzir automóveis, é o meu conselho! Precisando, a "Auto Escola Jóia", na avenida Turiassu, está de portas abertas. Paulinho tem paciência de Jó. E, graças a mim, nervos de aço.

1 comment:

Lovely69 said...

galaxy vc conseguiu!!! seu post me deu forças e esperanças de também chegar a um volante qualquer dia desses... eu desisti depois de quase rolar ribanceira abaixo com o instrutor ao lado, hahahaha!