Wednesday, April 05, 2006

Deseducada

Celso Limongi, atual Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, me chamou de "deseducada" (isso parece início de coluna do Diogo Mainardi. Não é). Os motivos - jurídicos - são irrelevantes aqui. O fato é que tal termo, pouco usual, levou-me à reflexão. Penso que, ao atribuir a mim adjetivo de sonoridade tão incomum, o chefe do Judiciário paulista teve receio em ser....deseducado. Porque a pecha de "mal-educada" ou até mesmo "sem educação" é demasiadamente forte e explícita. Também um pouco ofensiva. Insinua que meus desafortunados genitores desempenharam com displicência a árdua tarefa de tornar sua pimpolha uma pessoa civilizada. Ou pior: que esse casal me largou ao Deus-dará, negligenciando por completo o dever de ensinar à sua descendente valores básicos de convivência e respeito. "Deseducada", parece, é a pessoa que se desfez da educação que de fato recebeu. Então, mamãe já pode respirar aliviada. Ela cumpriu sua parte. A crítica não foi dirigida a essa pobre mulher, e sim à degenerada na qual me transformei.
Mas o "deseducada" atiçou meu pensamento. Lembrei que, durante os anos de faculdade, um professor de Direito Processual Penal demonstrava profunda afeição pela palavra "inverdade". Mais uma vez, a questão da suavidade do vocábulo. É feio e...ahnn..."deseducado" dizer que "o réu contou uma mentira". Melhor: "o acusado afirmou uma inverdade". O "inverdadeiro" não ficará magoado com o comentário. E, esteticamente, a grafia nos autos sairá elegante.
Já percebi: profissionais do Direito têm esse vício. A tendência, às vezes inconsciente e mecânica, de injetar glamour no banal e de travestir de classe o pejorativo. Nas sentenças, denúncias e petições em geral, "carros" não são furtados, leiloados ou danificados. Somente "veículos". Ora, apenas vendedores de concessionárias e narradores de comerciais televisivos pronunciam "veículos" ao invés de "carros". Se tiver coragem, pare seu possante em um posto de gasolina e peça ao frentista que abasteça o seu "veículo". Eu não tenho. Qual o problema da injustiçada palavra "carro"? É gíria? Palavrão? Não. Talvez seja a aspereza do som. Os dois erres machucam os ouvidos e olhos. Não merecem integrar o chique linguajar jurídico.
E por aí vai: "fugir" vira "empreender fuga"; um simples e comunzinho "entrar" é elevado à categoria de "adentrar" ou "ingressar". E nenhum policial "consegue" prender o bandido. Todos "logram êxito em". Medonho. Agora, já tem até gente trocando o mundano "maconha" por...."diamba"! Socorro, Pai dos Burros.
E, na vida cotidiana, "o preconceito contra palavras perseguidas" continua. Por que um sujeito não pode jantar no Fasano e perguntar ao garçom onde fica o sanitário? E por que o mesmo rapaz seria motivo de chacotas se, no Terminal Rodoviário Tietê, pedisse informações sobre a localização do toalete? Afinal, ambos os espaços são destinados à idêntica colheita de materiais!
Mas enfim. Deixa para lá. Desculpa, Celsão! Foi mal. Prometo: não voltarei a ser grosseira. Ops! "Grosseira" é uma palavra muito...."grosseira". Perdão, eu não aprendo mesmo. Coisa de gente deseducada.

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