Wednesday, December 31, 2008

Música, Direito, Artes....









....em 2008...na minha humilde opinião.

Músicas

1) "Dance, Dance, Dance" - Lykke Li

Sueca de vozinha infantil, lembra a vocalista do Cardigans, Nina Persson. Tudo é lindo nessa canção quase sem instrumentos: a batida delicada, o coral no fim e principalmente o sotaque da mocinha cantando o refrão: "donce, donce, donce"...

2) "The Muzik" e "We Know All About You" - Ebony Bones

Essa maluca aí da foto. Londrina que virou queridinha na cidade, ex-atriz de novelas. Uma espécie de Outkast feminino. Disco punk para lotar as pistas!

3) "I Luv Vodka" - Tabasco e "Lose Control", Revenge of the Cybermen

Punk rock animadíssimo e...tailandês! Pong, Bom, Mon e Champ são os nomes (não onomatopéias) dos integrantes do Tabasco (!). O Revenge of the Cybermen são quatro garotos e uma menina. "Lose Control" soa como Sisters of Mercy misturado com Cramps.

Lei

Bah, nada de Lei Seca. A lei mais sensacional do ano...na verdade não é lei propriamente dita. É a Instrução Normativa n. 55/08, do Ministério da Agricultura, que regulamenta, em seu artigo 4, o modo de preparo da...caipirinha! Também regulamenta a composição e preparo do licor, da batida e da jurubeba doce, hehe.

CDs

1) "Ladyhawke" - Ladyhawke

A Madonna indie da Nova Zelândia. Mas muito mais legal! Disco para os dias de sol.

2) "Directions To See A Ghost" - Black Angels

Bateria marcial, baixo, cítara, órgãos e quilos de guitarras em músicas que parecem hinos de guerra. Disco para as noites mais compridas.

Frases em audiências judiciais (ou durante os intervalos)

"Foi com isso aqui que eu decepei ele."
Réu de crime ambiental, depois que puxou de dentro de uma sacola uma peixeira com metade da minha altura (e quase me fez infartar), para mostrar ao juiz como matou um lagarto da fauna nativa.

"Não. Eu moro só comigo mesmo".
Outro réu, respondendo à pergunta do juiz: "O senhor mora sozinho?".

"Eu não sou gay!"
Senhor de idade e casado, vítima de chantagem praticada por travesti, respondendo a uma pergunta que ninguém fez.


"Espero que você tenha escrito de forma legível. Para ele conseguir entender sua letra. Porque eu não entendo".
Juiz com quem trabalho, difamando minha graciosa e peculiar caligrafia, e comentando a respeito do livro autografado que dei para o Mark Lanegan. Invejoso.

Filmes

1) "The Dark Knight"

Cool. O promotor de justiça vira bandido.

2) "Die Welle" ("The Wave")

Em uma escola alemã, um professor de História, fã de Ramones, começa a dar aulas sobre regimes ditatoriais. Fanatismo, rock, myspace em um filme baseado em caso real. É tenso, muito tenso.

Exposição


Vi em Londres, no Museu Victoria & Albert. Política, design e cultura pop durante a Guerra Fria. Uma exposição que reúne cadeiras em forma de discos voadores, maletas de espiões russos com câmeras escondidas, uniformes de astronautas, fotos arrepiantes do Muro de Berlim, comics, projeções de 007, música de seriados de ficção científica dos anos 60 e até mesmo uma cápsula espacial pendurada no teto. Acaba no dia 11 de janeiro. Se você estiver por lá....não perca! É demais!

Sentença judicial

Um torcedor do Fluminense processou um jornal do Rio. Pedindo indenização porque se sentiu afrontado pela tiração de sarro feita pelo jornal, depois que o Flu perdeu a Libertadores e a chance de disputar o título mundial. E mais bizarro: alegando que a foto acima (genial, aliás!), publicada pelo jornal para mostrar o jogador fluminense indo ao "Mundial", era propaganda enganosa. O juiz ficou puto. Trecho da sentença: "A pretensão é tão absurda que para afastá-la a sentença precisaria apenas de uma frase: ´Meu Deus, a que ponto nós chegamos??!!!´, ou ´Eu não acredito!!!´ ou uma simples grunhido: ´hum, hum´, seguido do dispositivo de improcedência."

Livro

1) "Black Postcards: A Rock and Roll Romance" - Dean Wareham

O ex-vocalista do Galaxie 500 e do Luna entregando todos os bastidores do indie rock durante os anos 80 e 90. E admitindo que nunca atingiu o sucesso com o qual havia sonhado. Escrevi um post sobre o livro aí embaixo.

2) "Kill Your Friends" - John Niven

Não li ainda, mas dizem que é hilário. Ficção. Sátira à indústria da música. É o "Psicopata Americano" inglês. Só que agora, ao invés de yuppie, ele é empresário de gravadora indo à falência...

Ação judicial

A do ajudante geral que entrou com ação trabalhista contra empresa, pedindo indenização por doença adquirida e agravada no ambiente de trabalho (porque o moço era obrigado a carregar objetos pesados). A doença? Fimose. A sentença: "Impossível alegar que o problema no membro atingido pudesse provocar perda ou redução da capacidade para o trabalho, já que o “dito cujo” não deve ser usado no ambiente de trabalho".

Shows

The National, em São Paulo
A perfeição. Depois do show, um menino escreveu na comunidade do Orkut dedicada à banda: "Eu tenho orgulho do The National". Eu tenho orgulho do The National.

Calvin Harris, em Bruxelas
Ele, eu e um bando de adolescentes histéricas pulando. E dá pra não pular com isso?

Jane Birkin, em São Paulo
Ela, eu e um bando de sexagenárias sentadas em poltronas. Entre uma música e outra, ela contava histórias do falecido. Acho que ela ainda é apaixonadaça por ele.

Gutter Twins, em Lisboa
O show em que entreguei um livro para meu muso.
Fazer Mark Lanegan sorrir....não tem preço!

Tuesday, December 23, 2008

Em 2009, Eu Quero Ser a Ana Maria Braga

No próximo dia 2 faço trinta e quatro anos (parabéns e presentes não serão rejeitados!). Feliz, porque já descobri o que espero da vida. Aos seis anos, queria ser mãe solteira. Aos nove, chacrete. Aos vinte e cinco, PJ Harvey. Trinta e três, Mrs. Lanegan. Pois agora é definitivo. Eu quero ser a Ana Maria Braga.
E que fique claro: não é pela grana ou fama. Nem por causa da habilidade no manuseio de frigideiras, fornos elétricos, processadores de legumes (Culinária, no meu caso, é algo tão impraticável quanto Ginástica Olímpica). E ter um papagaio de látex empoleirado na janela da promotoria não é exatamente meu ideal de decoração cool.
Eu quero ser a Ana Maria Braga porque, por duas vezes (eu disse duas vezes), ela me surpreendeu com sua capacidade de..hã..."encaminhar vidas"! Não há uma palavra certeira para nomear esse dom. Vou explicar fazendo um resumo dos casos concretos:
Primeira vez: eu era promotora em São Sebastião. Faz cinco ou seis anos. Durante um verão, um rapaz foi preso em flagrante por tráfico. Ele tinha nos bolsos uma certa quantidade de droga (maconha, acho). E dólares. O cara era bem ripongo: pulseirinha de couro no tornozelo, acampado em barraca na praia de Maresias, dreads na cabeça, a cara do Zack de La Rocha, o vocal do Rage Against the Machine. Interrogado pelo juiz, o moço apresentou seu álibi. Ana Maria Braga. "A droga era minha, eu ia usar. Tatuei uma flor de henna no seio da Ana Maria Braga. Ela me pagou com os dólares. Não era dinheiro de tráfico". Eu olhei para o juiz, o juiz olhou para mim. Era uma história muito louca...para ser mentira. O que fazer? Investigar. Primeira providência: assistir ao "Mais Você" no dia seguinte e focar a vista nos peitos da apresentadora, tentando enxergar a rosa (era uma rosa, segundo o réu). Falhou. O decote era recatado. Segunda diligência: arrolar Ana Maria Braga como testemunha no processo. E isso rolou. Ela foi intimada para ir depor no Fórum Criminal aqui em São Paulo. Compareceu, desatou a falar e...confirmou a história do hippie! Tudo verdade. As palavras salvadoras de Ana Maria Braga tiveram o poder de livrar o rapaz do xadrez. A pena aplicada foi só pelo porte de entorpecente para consumo pessoal, para ser cumprida em liberdade.

Segunda vez: essa é recente, as pessoas estão sabendo. Ana Maria Braga tomou as dores de Suzana Vieira, aquela atriz veterana que se casou com um policial. Que não foi um marido modelo. Que, drogado, espancou uma moça e destroçou um quarto de motel. Que perdoado pela esposa traída, abusou da sorte e foi descoberto com a amante. Separação do casal, pedido de gorda pensão (por parte dele). E a indignação da solidária Prag.., digo, Braga, que em rede nacional aconselhou o infiel a...desaparecer da face da Terra. Tarefa que, uns poucos dias depois, ele cumpriu à risca - e com distinção.
Já faço aqui a defesa da Ana: em momento algum ela mencionou que o sujeito merecia sofrer o...como dizer?...Mal Maior! Se ele resolveu seguir a recomendação de forma cem por cento literal - e não figurada - a culpa não é da mãe do Louro José, em absoluto. Cada um sabe de si e é livre para fazer o que tem vontade, ué.
Bom, mas o fato é que, após esses dois ilustrativos episódios, Ana Maria Braga provou seu poder. Maior do que o do gênio do Akinator. E foi ontem, folheando ao acaso um livro jurídico, que o desejo de ser não mais Ana Luisa, mas Ana Maria, bateu forte. Ganhei o livro de presente. Portanto, à minha revelia. É um conjunto de textos, de diversos autores, sobre adolescentes que cometem infrações. Um deles criticava a postura dispensada por juristas à forma como são tratados os menores que delinqüem. Forma que seria muito rígida. Sério, não dá para deixar de transcrever um pedaço. Vou me dar ao trabalho de copiar, mantendo os grifos:
"Existem trabalhos sérios, mas poucos. Na sua maioria são empiristas totalitários embrulhados em papel de presente garantista que, quando se deixam abrir, avivam suas posturas (...). Lugar sempre empulhador, que serve para aplacar a falta dos neuróticos de todos os dias (...). O que há é o acolhimento irrefletido das every day theories indicadas por Baratta ou de americanismos em moda, dentre eles o da Teoria das Janelas Quebradas (...). Mas, de qualquer forma, vive-se em uma democracia, e se estes discursos satisfazem os atores jurídicos, não se pode os obrigar a sair da geléia geral em que se encontram".
Entendeu? Nem eu. Quem escreveu? Não, não foi o Tom Zé. Foi um juiz mesmo (não o conheço). O "artigo" tem umas vinte e cinco páginas. Li e reli uns trechos, pouco consegui compreender. Ou melhor, pouco quis acreditar: o subscritor dessa maravilha diz que a responsabilidade pela delinqüência juvenil é do pai. Devido ao Complexo de Édipo. E do irmão. Não do irmão do moleque traficante ou assaltante. Do Irmão. Ah, só mais um pouquinho, vai: "por detrás de toda a democracia de fachada, esconde-se, na maioria das vezes, uma postura que pode ser designada de Complexo de Big Brother, ou seja, o adolescente precisa sofrer até aceitar a amar o Grande Irmão que lhe oprime. (...). Qualquer similariedade com a postura dos pais e dos atores da Justiça da Infância e Juventude não é mera coincidência. O ato de desrespeito ao Pai da Horda (Freud), representado pelo Grande Irmão não é tolerado. Mas longe de matar o sujeito, o processo de depuração moral o submete a um aniquilamento da autonomia".
Ou seja, a culpa é da lei, da Justiça. Da família e da sociedade que impõem regras e oprimem a natureza livre da meninada, que prefere vender bagulho a fazer lição de Matemática. Sintetizando: para o Tom Zé de toga, a culpa é sua.
O que eu digo? Nada. A melhor resposta encontrei em outro livro, que cita essa frase, de autoria do Volney Corrêa Leite de Moraes Júnior (que também não conheço): "Se o ladrão violento, o estuprador, o traficante de drogas (etc.) são realmente, como pretendem alguns penalistas modernos, apenas vítimas da Sociedade, isso quer dizer que a Sociedade é moralmente muito pior do que eles, porque só alguma coisa mais vil, mais torpe e mais ignóbil que o autor de crime hediondo pode constranger alguém congenialmente puro a se tornar bandido". Nome do livro do Volney? "Crime e Castigo: Reflexões Politicamente Incorretas". Desde já e para sempre, o mais sensacional título para um livro de Direito Penal.
Bom, mas voltemos...para Ana Maria Braga e, como eu já falei, ao seu dom para "encaminhar vidas", "definir destinos" (lindo, não?).
She´s got the Power. She rocks!

Caetano, parnasianos culturais, parnasianos justo-sociais, Daniel Dantas, Gilmar Mendes...

A lista seria um pouco longa. Mas valeria a pena.
Vou pedir para o Papai Noel. Torçam por mim, por favor.
Porque se eu me transformar em Ana Maria Braga, 2009 será um Ano Realmente Novo.
(Beijos, beijos e beijos para todos que passaram por aqui durante esse ano. Boas Festas. Cuidem-se!)

Thursday, December 18, 2008

Wonderwall



Pronto, agora conseguirei trabalhar com total paz de espírito: Radiohead, The Raveonettes e Nada Surf (que não coube nas fotos) fazem companhia para Mark Lanegan na promotoria. E cobrem as rachaduras nas paredes, pois o fórum - inteligentemente erguido sobre um brejo - desabará em no máximo dez anos (segundo o Brenno, que é um juiz otimista).
Os escreventes adoraram. A moça da limpeza ficou encantada. O policial militar, maravilhado!
Convenhamos: bem melhor do que pendurar diploma, não (tem coisa mais cafona?). Ou do que botar na sala aquela mulher mal vestida, enrolada em panos, olhos vendados, segurando uma balança (né, Brenno).

Tuesday, December 16, 2008

Quando Você vira Arte



A University of Saint Andrews, na Escócia, inventou esse programinha divertido: o Face Transformer. Poste lá sua fotinho e veja como você ficaria, caso fosse um modelo (ou uma modelo) pintado por Alfonse Mucha, Botticelli ou Amedeo Modigliani. Também é possível virar mangá. Fofo.

À esquerda, um Modigliani verdadeiro. E ao lado...eu, pintada por um Modigliani muito, mas muito bebaço.

A minha foto original está aqui.

Sunday, December 07, 2008

Robin Hood e Kim Deal



Constantemente tenho a sensação de que vivo em um limbo. No meio do caminho entre dois mundos aos quais pertenço (mas que raramente se misturam). Um por profissão, outro por afinidade. Vou tentar explicar. Bom, sou promotora. De justiça. E gosto de música, de rock. Mas não dessas lástimas tipo U2, Skank. Gosto das bandas e músicos que aparecem aqui no bloguinho. Que nem todo mundo ouve. Ou que praticamente ninguém ouve, em se tratando de outros promotores e juízes. Então, quando estou entre eles, sou "a que gosta de rock esquisito", alternativo. Gravei um CD com músicas do Mark Lanegan para o juiz da Primeira Vara Cível de Atibaia. Ele ouviu e aprovou, disse que parecia Dire Straits. Depois desse insulto, desisti de abordar o assunto "música" na ala jurídica das minhas relações. Assim, comentários sobre o show do The National, o último CD do Ladytron ou o próximo do Twilight Singers ficam restritos ao pessoal que também curte rock esquisito. Geralmente pessoas que estudaram na ECA e seguiram Jornalismo ou Cinema. OK. Só que...eu estudei Direito. E trabalho no Ministério Público. E quando acontece de um "indie rocker" não-jurídico palpitar levianamente sobre minha profissão....minha irritação consegue ser duzentas vezes maior do que ouvir alguém botando Mark Lanegan e Mark Knopfler no mesmo saco.
Dias atrás conheci o traficante dos irmãos Reid e da Kim Deal. Jim e William Reid são os escoceses da banda Jesus and Mary Chain. Kim Deal é a aclamada baixista do Pixies, que hoje toca no Breeders. Conheci o sujeito não no fórum ou na promotoria, algemado. Conheci em mesa de bar da rua Bela Cintra, sentado na minha frente, gesticulando animado para contar a historinha que ele considerou incrível. Sentados conosco, dois amigos em comum que também gostam de rock (esquisito). Fui apresentada a ele como Ana, a promotora. E ele como sendo um blogueiro (mais um), um ex-dono de loja de discos (ou seja, um falido) e um sortudo que, devido a razões desconhecidas por mim, havia ciceroneado o pessoal do Breeders e do Jesus em São Paulo, quando as bandas estiveram aqui para tocar em festival. Falante e sorridente, disse que estava apaixonado pela namorada, que casaria em breve e queria filhos. Uma filha, com nome já escolhido: Manuela. Ótimo. E foi depois dessa exposição sobre planos futuros que teve início a história do show. Contou que havia recepcionado as bandas no aeroporto. Que Kim Deal era fofíssima, que os irmãos Reid eram simpaticíssimos (hã? Os dois têm fama de insuportáveis. Tão insuportáveis que não agüentam um ao outro). Que as bandas tinham um empresário em comum, excelente pessoa, apesar dos neurônios fritos e da incapacidade de articular frases conexas. Que todos eram gente-finíssima, que o trataram super bem e gentilmente pediram que ele....arranjasse droga pra todos (músicos, staff e principalmente para o cara dos neurônios). Que ele cumpriu a tarefa, mas ficou com medo de ser abordado pela polícia no caminho entre a boca e a área VIP, dada a boa quantidade de droga carregada no bolso. Que se fosse abordado teria dito para o "seu guarda" que não iria vender nada, apenas entregar para o pessoal das bandas (!). Que todos ficaram felizes com sua presteza, que após as apresentações os gringos pegaram a encomenda, entraram nas vans, fecharam as portas e se mandaram para o hotel. E que então ficou à vontade na área VIP, bebendo os restos de Veuve Clicquot.
Eu, quieta. Na minha. Não tinha a mínima intenção de dar lição de moral para o cidadão. Logo eu levantaria e iria embora para nunca mais ver o sujeito. Mas aí começou. Ele olhou pra mim, abriu um sorrisão paternal, perguntou minha idade (a mesma idade dele) e quis saber o que eu mais gostava de fazer como promotora. Fui sincera. "Botar traficante em cana". Não contente, ele continuou: quem disse que o tráfico é algo ruim? Você já viu a pobreza de uma favela? Você consegue dormir sem peso na consciência?
Bem. Nada, absolutamente nada, mas nada mesmo faz meu sangue migrar a jato para o cérebro, em velocidade superior à da luz,...do que a leve menção à odiosa, podre, nojenta..."Teoria da Vítima Social". Também chamada "Teoria da Justiça Social". Ou, como costumo dizer, "Teoria Robin Hood".
Para o "teórico-justo-social", o criminoso só comete o crime porque é uma vítima da desigualdade de classes, uma vítima da sociedade. Assim, de criminoso, o sujeito passa a vítima. Se a vítima de um assalto, por exemplo, pertence a uma classe superior à da "vítima social", ela é um "criminoso de classe", aquele que se beneficia com a injustiça social. Portanto, o crime praticado fica justificado: na verdade não é crime, mas...."justiça social".
Robin Hood, seu bando e famílias de camponeses viviam na floresta de Sherwood, na Inglaterra medieval. Explorados pelo Príncipe João, eram obrigados a pagar impostos abusivos. Vendo que seu pessoal passava fome e necessidades, Robin Hood, seu amigo Little John (obeso, embora faminto) e outros chegados pegavam arcos, flechas e iam assaltar a nobreza em seus castelos. No fim do dia, o bando voltava para o acampamento, enfileirava os aldeões e repartia o dinheiro roubado. Aí todo mundo ia confraternizar em torno da fogueira, assando uma ovelha, tocando flauta e dançando.
Segundo o teórico-justo-social, Robinho e seus amigos vivem na favela de uma grande cidade, junto com outras famílias miseráveis. São explorados pela burguesia. Vendo que seu pessoal passa fome e necessidades, Robinho, seu mano Johnny e outros chegados pegam revólver, pistola e vão assaltar os ricos nos bairros de bacanas. No fim do dia, o bando volta para a maloca, enfileira os favelados e reparte o dinheiro roubado. Aí todo mundo vai confraternizar em torno da roda de pagode, fazendo um churras, tocando pandeiro e sambando.
Tenha dó. O teórico-justo-social diz que conhece a favela, mas óbvio que não mora lá. Ele mora em apartamento e pode chegar no prédio mesmo tarde da noite, sem stress, porque não vigora na sua rua nenhum toque-de-recolher. Se morasse em favela, saberia que bandido não é benfeitor solidário. Que bandido não assalta ou trafica em nome do bem comum, mas exclusivamente em proveito próprio. Que quando acontece do traficante financiar serviço social na favela, cobra um preço alto: bico-calado, olhos fechados e fidelidade dos moradores no momento em que os homens invadirem o morro (quem dedurar, morre). E, principalmente, que a grande maioria da bandidagem não vai à zona sul roubar o Rolex do playboy, atirar nos miolos da patricinha ou vender baseado na porta do colégio Dante Alighieri. Vai roubar, toda semana, o mesmo boteco no subúrbio. Afinal, sabe muito bem que o dono não se atreverá a chamar a polícia, pois tem endereço comercial fixo para ser encontrado e sofrer vingança. Vai estourar os miolos do empacotador do Pão-de-Açúcar que foi seu amigo de infância, se ele não quitar rapidinho a dívida do pó que comprou. Vai vender o bagulho na porta da escola municipal, pois lá não tem segurança engravatado postado na frente do portão.
Ah, e outra: Robin Hood não nasceu pobre. Era nobre quando o Príncipe João deu o golpe e tomou o trono de Ricardo Coração de Leão. Robin Hood lutava também por interesse pessoal, para recuperar sua posição social. No fim da história, quando consegue, volta a ser bacana endinheirado.
Digo o que eu vi depois de oito anos na promotoria: vítima de crimes praticados por pobres é gente pobre, não rica. Minha clientela é financeiramente humilde dos dois lados: do assaltante e do assaltado, do traficante e do viciado, do homicida e do morto. Lógico que ocorrem casos de residências de alto padrão invadidas por quadrilhas armadas, de seqüestros-relâmpago de pessoas da classe média. Mas são casos que eu conto nos dedos. Toda semana, mulheres entram na minha sala, aflitas, implorando para que eu dê jeito nos seus filhos, adolescentes que estão usando e vendendo drogas para traficantes maiores de suas vizinhanças. São todas faxineiras. Várias choram, uma já soluçou agarrada no meu braço. Nunca atendi uma bióloga, uma engenheira, uma publicitária. Anos atrás, um velhinho me procurou no fórum. Desdentado, descalço, exalando odor de quem havia caminhado três horas para cobrir a distância entre a zona rural e urbana. Foi se queixar do vizinho, um rapazinho que havia entrado no quintalzinho do seu barraco e afanado um pato, o mais gordo. Contou que além do pato e do barraco, ele era dono de uma galinha e de outro pato (mais magro). Só. E que o mocinho já havia avisado que voltaria lá para passar a mão no outro pato, pois nunca seria punido pela Justiça por furtar uma somente uma ave. Eu tive vontade de pedir à juíza que o filho-da-puta do tal vizinho fosse trancafiado numa masmorra. Mas em um ponto ele tinha razão: a acusação em Juízo contra o autor do furto de um pato causaria comoção. Eu iria parar no Jornal Nacional e no Estadão (e duvido que as reportagens esclarecessem que o patão constituía 25% do patrimônio total de um lavrador). A brigada dos direitos humanos iria me malhar sem piedade, Eduardo Suplicy me telefonaria de novo (é, ele me ligou uma vez. Pessoalmente. Para pedir que eu olhasse bem a situação de um injustiçado que fora preso por engano, por roubo. Eu olhei. E descobri que o assaltante havia sido reconhecido por diversas vítimas, e que havia mandado espancar a filha de uma delas. Foi condenado e fugiu da cadeia).
Aliviar a barra de um bandido pobre, sob o argumento da injustiça social, é desrespeitar a vítima igualmente pobre mas que nunca surrupiou um fósforo, vendeu uma pedra de "crack", aplicou um golpe para suprir sua carência econômica. Se eu anunciar para um modesto pai de família que não tenho o direito de pedir a prisão do malandro pobretão, que alicia seu filho para o tráfico, porque o milionário Daniel Dantas continua em liberdade....esse senhor cuspirá na minha cara. E com toda razão. Ele paga impostos, que se transformam no meu salário. Tem todo o direito de cobrar que as autoridades garantam a sua segurança e a de sua família.
Em linhas gerais, tudo que escrevi acima eu disse para o tal serviçal do Jesus and Mary Chain. Em um tom de voz um tanto irado, admito. Em respeito aos nossos amigos em comum, que já estavam desconfortáveis com os rumos da conversa, não falei para o indie traficante que se por azar, daqui quinze anos, a Manuela dele aparecesse em casa, com os neurônios fritos e incapaz de articular frases conexas, ele com certeza iria procurar gente como eu, exigindo que o responsável fosse encarcerado. Ainda que esse sujeito fosse também responsável pelo abastecimento oficial das narinas do Morrissey ou da seringa dos últimos Ramones vivos. Não adverti o cara de que se ele fosse pego pela polícia com droga e alegasse que não iria usar nada, mas só presentear terceiros....seria preso do mesmo jeito. E que teria confessado o tráfico, pois a lei não faz distinção entre aquele que porta tóxico para vender ou para entregar gratuitamente. Desavisado, quem sabe o esperto não é preso em flagrante em março, no show do Radiohead.
Final da noite no bar, despedidas frias. Depois da revolta, lamentei. Um rapaz negro, classe média, de pensamento tão estreito, sentindo-se especial porque foi bem tratado por Kim Deal e companhia. Sim, a galera estava em terra estranha e não sabia onde arranjar uns aditivos; lógico que não trataria mal um nativo, contratado justamente para fazer o servicinho chato de office-boy na boca. Gringos tão legais que, quando as portas das vans se fecharam, o meu amigo estava do lado de fora delas, não dentro dos veículos. Ninguém o chamou para as festas. Mesmo assim ele se deu por feliz por poder consumir as sobras largadas pela descolândia fina e branca do rock alternativo.

Boa sorte, Manu.

Thursday, December 04, 2008

A Banda de Rock de William Faulkner




A voz do branquelo Mark Lanegan, vocalista convidado, emoldurada por coral gospel, feminino. Banda inglesa, rock eletrônico mesclado por soul. Soul também no nome do grupo: Soulsavers. Influências declaradas: Joy Division, o hip-hop do Public Enemy, William Faulkner.

William Faulker?

William Faulkner nasceu no Mississippi, sul dos EUA, final do século XIX. Terra emprobrecida, arrasada pela Guerra da Secessão. Entre 1861 e 1865, os Estados do Norte industrializado lutaram contra os Estados do Sul agrícola, aristocrata, escravocrata. Massacrada pelo conflito, a população sulista dividiu-se: famílias de brancos protestantes, financeiramente arruinadas pela abolição, marginalizavam os negros recém-libertados. Os ex-escravos eram impedidos de se integrar à sociedade, comprar um pedaço de chão, votar. Nascia a Ku Klux Khan. Época de degeneração moral e física. E, algumas décadas depois, também ambiental.

A paisagem, o passado, a cultura, a religião e a tensão racial do Mississippi foram matéria-prima a serviço do humilde Faulkner - que abandonou os estudos para trabalhar - na criação do cenário e enredo de seus romances. Os dramas vividos pelos personagens rudes, miseráveis, vazios de esperanças transcorriam na fictícia cidade de Jefferson, localizada no igualmente fantasioso Condado de Yoknapatawpha, no Mississippi. Addie Bundren, a doente matriarca de uma modesta família de fazendeiros, aguarda a morte em casa. Acamada, escuta seus filhos serrando, martelando e dando forma ao seu futuro caixão. Seu último desejo é ser enterrada em Jefferson. A iminência de chuva é uma ameaça à conclusão do trabalho. O capítulo inaugural de "Enquanto Agonizo" ("As I Lay Dying") é um soco no estômago. O livro narra a marcante e penosa viagem do clã Bundren carregando o caixão da falecida Addie rumo a Jefferson. Em 2007, parece que Soulsavers e Mark Lanegan providenciaram a trilha sonora perfeita para o périplo dos Bundren. A bateria sombria de "Ghosts of You and Me", segunda faixa do disco lançado ano passado, acompanha o vocal grave de Lanegan: "Goodbye Mary/Sweet Mother mine/Greyiest Sky/Gun metal eyes (...) Do it Darling, dig my grave/This cemetery is my own". Emocionante.
"Take me to the station/And put me on a train/I've got no expectations/To pass through here again/Once I was a rich man and/Now I am so poor". "No Expectations", outra canção do álbum "It's Not How Far You Fall, It's The Way You Land ", é um cover dos Rolling Stones que toca no mesmo tema de "O Som e a Fúria" ("The Sound and the Fury"), um dos principais romances do século passado: a decadência econômica e o fracasso nas relações pessoais dos homens e mulheres da família Compson, respeitada dinastia sulista descendente de um herói da Guerra Civil Americana. Já em "Luz em Agosto" ("Light in August"), o reverendo Gail Hightower é um homem amargurado, repudiado pelo povo de Jefferson e banido da igreja após um escândalo envolvendo sua esposa. Mora na cidade, mas é desprezado por seus habitantes. Torna-se descrente e começa a encarar a vida como um episódio passageiro, do qual não faz mais questão de participar. A força da autoridade da religião, a desilusão e a perda da fé aparecem na história de Faulkner e na triste letra de "Jesus of Nothing": "Jesus of nothing/Judas to touch/On my way/Going outta my head/(Last go around/Going outta my mind)/My trail's nearly ended".
A fúria da natureza, desgrançando e modificando destinos, é o mote de "O Velho" ("Old Man"), um dos dois contos de "Palmeiras Selvagens" ("Wild Palms"). "Velho" é o apelido do rio Mississippi. Na história de Faulkner, por culpa de um dilúvio, o Mississippi transborda e uma enchente de proporções bíblicas assola parte do Sul dos EUA. Prisioneiros de uma colônia penal rural têm que ser removidos; durante o traslado, um condenado negro cai da embarcação e some na correnteza. Ele sobrevive, consegue um bote. Resgata uma mulher grávida e procura ajuda. Só que a visão de sua roupa de detento bloqueia a solidariedade das pessoas, a ponto de, sozinho, não ter opção senão auxiliar a moça no momento do parto. Sua vida apenas faz sentido na prisão, e é para lá que o preso sonha voltar. Quando finalmente consegue, tem sua pena aumentada. Por....tentativa de fuga. As imagens dos efeitos de tragédias naturais, que desencadearam tragédias humanas, são parte do lindo vídeo de "Kingdoms of Rain", uma das canções mais tocantes e desesperadas que Mark Lanegan compôs (no auge de seu vício em heroína), presente no seu segundo disco solo, "Whiskey for the Holy Ghost", e que foi regravada pelo Soulsavers. No clipe, uma menina caminha pelo subúrbio de New Orleans e presencia o cenário desolador provocado pelas tempestades do furacão Katrina: casinhas arrombadas, saqueadas e abandonadas, árvores tombadas sobre telhados, cartazes com mensagens de esperança misturados a escombros e restos da destruição. Como se entoasse um hino religioso, Lanegan murmura os versos mais sublimes de sua carreira: "Are those halos in your hair/Or diamonds shining there/Without a hope, without a prayer/This rain beats down like death/You turn your eyes to better men/Before I go I'm hangin' a cross on the nail/I hung one for you in there./Girl lay your shame to rest/and hold the lies close to your breast/You stoop to feed the crows/Some scratch the truth already cold/Before I go I'm hangin' a cross on the nail/I hung one for you in there./And every kingdom of rain comes pourin' down/Cause I loved you so much/Cause I loved you so much". No final, as imagens em preto e branco da atual New Orleans são substituídas por imagens antigas, da grande enchente do rio Mississippi em 1927. A mesma enchente que é personagem principal de "Old Man".
Soulsavers com Mark Lanegan. A banda de rock de William Faulkner.

Wednesday, December 03, 2008

Akinator

Que medo!!
Meu ex-estagiário mandou o link desse site, o Akinator (por que estagiários têm o dom para achar coisas bizarras na Internet?). É um joguinho que lê seu pensamento. Você pensa em alguém famoso. O geninho tenta adivinhar quem é. Então faz perguntas prontas, do tipo..."A pessoa toca guitarra?", "A pessoa já foi presa?", "A pessoa tem pai famoso?"...que você responde somente com "sim", "não", "não sei", "provavelmente sim" ou "provavelmente não".

Bom, joguei. Sem botar fé e me achando o máximo. Nunca iriam descobrir em quem pensei! Depois de apenas vinte perguntas - e o mais impressionante: beeem genéricas - aparece a adivinhação, na forma de uma foto do....Mark Lanegan, hehe!

Tô besta.
A paixonite pelo Lanegan é tamanha que até um programinha de computador saca logo, em segundos!
Próximo post, aliás, é sobre.....
É.
(ah...o Akinator também funciona com celebridades nacionais. O Jonathan, meu ex-estagiário, pensou no Pedro de Lara (!). O gênio acertou.).

Sunday, November 16, 2008

Gig Posters - Parte II




A paternidade deles é antiga e distante. Jules Chéret foi o pioneiro, na Paris de 1860, embora o pintor Henri de Toulouse-Lautrec tenha se tornado o mais conhecido e célebre. Surgiram para anunciar espetáculos de cabaré ilustrando as dançarinas do Moulin Rouge, o famoso prostíbulo parisiense. O tcheco Alphonse Mucha especializou-se na confecção deles, promovendo as peças teatrais da atriz e cortesã Sarah Bernhardt. Na Inglaterra, Aubrey Beardsley foi o artista mais destacado, sempre trabalhando nas cores preta e branca. Chegando em Paris, o norueguês Edvard Munch também se interessou por eles. Eles são descendentes diretos de Cherét, Toulose-Lautrec, Mucha, Munch, Klimt. E de tantos outros que elegeram as gravuras e ilustrações como manifestação de uma Nova Arte. Ou, em francês, Art Nouveau.

Quando apareceram, durante a Belle Epóque, o estilo musical que hoje eles anunciam nem ao menos era nascido.
Eles são lindos, trabalhosos, viciantes. Eles são...os cartazes de shows.
E melhor: hoje, em 2008, eles são os gig posters. Ou concert posters. Enfim. Os posters de rock.


O que identifica - visualmente - o trabalho de uma banda? Na época dos LPs, a bolacha era vendida no meio de dois grandes papelões quadrados, ilustrados com desenhos ou fotos. Quando os CDs jogaram os LPs para escanteio, os tais papelões viraram quadradinhos de papel, protegidos por paredes de plástico. Mas agora...na era mp3....música não precisa mais de suporte físico. Nem de capas. Prático, lógico, mas...também o fim daquela diversão de poder relacionar uma banda a um desenho ou foto. Afinal, como ouvir London Calling, do Clash,...e não lembrar do baixo de Paul Simonon prestes a se despedaçar no chão? E Abbey Road, dos Beatles? A rua mais famosa da História do Rock...graças a uma capa de disco!
As capas estão condenadas à extinção. Mas...enquanto houver shows (e mp3 nenhum vai exterminar a música ao vivo)...haverá gig posters. Ufa.


Gig posters compõem um mundo vasto, mega-charmoso, poético e pouco comentado do rock. Aqui no Brasil, por exemplo, ilustrar bandas e artistas não é uma tradição. Que bom. Ninguém merece topar por aí com cartazes da Pitty ou do Chorão. Mas lá fora, gig posters são uma febre.
Descobri essa mania gringa depois que topei com o poster lindão do sempre-aqui-comentado Mark Lanegan. Cartaz desenhado pelo gente finíssima Guy Burwell. Burwell é apenas um entre milhares de ilustradores dedicados a despertar nossa atenção - e nossos sentidos - para essa forma de arte plástica tão atual. Os trabalhos desses artistas estão expostos naquele que é praticamente um monstruoso museu on line: gigposters.com. O site é uma delícia para qualquer cidadão ou cidadã que ame música ou pintura. Música ou fotografia. Música ou comics. Música ou design. Apaixonante. Reúne mais de sete mil designers e mostra cerca de noventa e seis mil posters, de mais de oitenta e nove mil bandas e músicos!! Há fóruns de discussão e também classificados para os cadastrados no site. Isso sem falar que a história dos shows de rock é totalmente desfilada no gigposters.com: cartazes clássicos de Elvis Presley, Beatles (da turnê sueca, incrível!), da apresentação do Clash, Sex Pistols e Buzzcocks em Londres, agosto de 1976, no clube The Screen (preço do ingresso marcado no poster: uma libra!) e do Nirvana pré-fama, tosco, anunciando show por cinco dólares e abatimento no preço do ticket para quem levasse latas de comida! Passeando pelo site (que consegue te hipnotizar por horas) dá para ver bem a evolução das ilustrações: até o final da década de 80, muitas eram simples letreiros, acompanhadas de desenhos rascunhados ou por fotos sem graça das bandas. Hoje, são meticulosamente pensadas e elaboradas. Fogem do óbvio e não se limitam a retratar artistas como se fossem caricaturas. E não apenas querem chamar atenções para os shows das bandas que promovem, mas desejam também um lugar nas paredes dos quartos dos fãs. Nada mais justo. Tá cheio de gente de talento pintando imagens que enchem os olhos: Tara McPherson usa cores geladas para preencher figuras de traços infantis, Guy Burwell me confirmou que foi buscar inspiração nas pinturas de Gustav Klimt para um poster do The Cure (quando vi, achei parecido com Klimt e perguntei para ele se era piração minha. Não era, he), o time de designers da The Small Stakes sabe usar a criatividade e reproduzir idéias geniais usando poucas linhas e cores. Como nesse poster do The National.

Além disso tudo, no gigposters.com é possível brincar de classificar uma banda de acordo com....seu bom ou mau gosto estético, hehe. É divertido. Por exemplo: The Decemberists. Mais uma banda de indie rock barroco, nos moldes do Arcade Fire. Vi o show na Espanha, chato pra burro. Não faz jus aos maravilhosos cartazes enfileirados no gigposters.com. Os mais lindos do site, você pode conferir. As dezenas de posters do Queens Of The Stone Age seguem a temática de Toulouse-Lautrec: pelo jeito, Josh Homme também curte desenhos de meninas com pouca roupa, fazendo caras e bocas. Puro rock. Bom, meu poster preferido, entre as centenas que vi, está aí em cima: a andorinha salvando o navio quase naufragado. Mega simples e emocionante. Palmas para o Modest Mouse! Ao lado dele, outro sensacional: um cavalo "radiografado" anunciando um show da banda Blonde Redhead.

Bem, não consegui perambular pelo gigposters.com e....não ter vontade de torrar meu dinheirinho em posters! Decidi que São Lanegan - olhando por mim na promotoria - merecia companhia. Pois então. Enquanto mulheres da minha idade escolhem cortinas, pisos, azulejos e objetos de decoração para ornamentar suas casas....eu...ainda escolho posters de rock. Mas pelo menos escolhi os meus com esmero. E não foi fácil: as ilustrações tinham que combinar com o cartaz do Mark, com os Van Gogh e Chagall que já estão na minha sala, com a cor sorvete-de-creme (!) que o Tribunal de Justiça elegeu para cobrir as paredes do Fórum. Descartei os posters de fotografias de artistas. Do tipo que vende em lojas de discos, naqueles mostruários que a gente vira como se fossem páginas de um livro gigante. Thom Yorke olhando vesgo para os inquéritos policiais sobre minha mesa? Não rola. Depois, por mais que eu admire os bíceps do Trent Reznor, os ombros do Dave Grohl e anatomia completa do Lanegan....botar no Fórum posters-fotos dos meus musos seria total cafonice. Promotoria não é fã-clube. E mais. Os nomes de algumas bandas ficariam um pouco....hã....fortes se expostos em uma promotoria de justiça. Bandas de que gosto, até. Mas que foram vetadas. Convenhamos, seria meio assustador alguém entrar na minha sala e dar de cara com cartazes do The Killers, The Kills, A Place to Bury Strangers, And You´ll Know Us By The Trail of Dead ou She Wants Revenge. Acho que eu teria problemas com a Corregedoria do Ministério Público, hehe. Se bem que...se eu colocasse esse cartaz da dupla de música eletrônica Justice na promotoria....não tenho dúvidas de que todos meus problemas com adolescentes infratores estariam solucionados. Bastaria o menino traficante entrar na minha sala, ver o poster para desistir, forever, de aprontar pelas ruas da cidade. Eu nem precisaria dar bronca, concordam?
E ao fim de uma criteriosa seleção...os ganhadores! Encomendados e comprados. Coming soon...nas minhas paredes: a mod girl do Raveonettes, o poster tragi-romântico do Nada Surf e....uma obra-de-arte do Radiohead. Absolutamente linda e indescritível (confirmando minha obsessão por asas).

Monday, November 10, 2008

Gig Posters - Parte I

Asas enormes, abertas atrás dos ombros largos. Uma auréola pairando sobre o cabelo curto. Coraçãozinho exposto no peito esburacado e o sangue escorrendo através do braço, oculto pela manga do terno, até encher o copo de whisky.
Pronto, agora sou mais feliz: ao lado de um Chagall, Mark Lanegan está pendurado na Quinta Promotoria de Justiça de Atibaia. Lugar mais conhecido por "minha sala".
E não, isso não é esquisito ou deprê. Ou pelo menos não é mais esquisito ou deprê do que ter na sua parede um homem semi-nu, com espinhos enterrados na testa, sangrando pelas mãos e pés pregados em uma cruz...
Mark Lanegan, by Guy Burwell. Beautiful.

Thursday, November 06, 2008

Solidariedade


Para a pessoa que, às duas da manhã, entrou neste blog depois de ter digitado no campo de busca do Google: "como fazer um cartaz sobre banquete de nabucodonosor":

Filho (ou filha), peça já para seus pais te tirarem dessa escola.

Se não der certo, pelo menos vou torcer para que sua professora de História um dia arda no fogo do inferno, tá.

Boa sorte!

Wednesday, November 05, 2008

Ladyhawke




Ela é neozelandesa. Faz parte dessa nova leva de bandas da Oceania que misturam rock com eletrônico. Tipo Cut Copy, The Presets, Van She. Lançou o primeiro CD no final de setembro. Não tem faixa ruim. Em setembro mesmo, ela se apresentou em Londres. Por coincidência, na mesma noite da chatíssima banda canadense Ladyhawk (sem o "e"). Eu estava em Londres mas perdi (porque fui ver....adivinhe). Um dos piores erros da minha vida. É pop anos 80 com bateria alta e músicas aceleradas. Sem aquelas firulas de electro minimalista que quer ser descolado e elegante. Tipo Peaches e Miss Kittin. Nada tem daquele som aguado do CSS. Já vi que foi esnobada por blogs do UOL. Afinal, cometeu o crime...de ser pop. Os remixes feitos por Van She, Cut Copy e Peaches foram elogiados. Porque dão uma "quebrada" no vocal, na melodia - pop - e transformam as faixas em electro elegante, minimalista, descolado e..."indiemente" aceitável.
O povo indie vai torcer o nariz. O mainstream vai ignorar - pois é pop do bom. A Ilustrada falará mal.

E se tudo o que eu disse não bastar para te convencer a ouvir a moça....bom, ela não se envergonha de usar o mesmo penteado da Bonnie Tyler. Nem de fazer um vídeo brega parecendo a própria Bonnie Tyler. Pela coragem, merece pelo menos uma audição, vai.

Saturday, November 01, 2008

Quando a Arte vira...Direito




Edvard Munch, auto-retrato, e Antonio Scarance Fernandes, Professor de Direito Processual Penal da USP.

Quando mais jovem, Munch lembrava muito Jello Biafra, vocalista do Dead Kennedys. Mas coloquei os dois lado a lado e não ficou muito bom. Aí achei esse auto-retrato, mostrando o pintor mais velho. A cara do Scarance! Então dedico esse post à...hã..."ala jurídica" que lê o blog - e que muitas vezes bóia quando falo de Mark Lanegan, Black Angels, Ladytron e congêneres. Mas que nem por isso deixa de passar por aqui para ler as doideiras que escrevo.

Cazetta, Gilberto, Kfouri, Madeira, Guilherme, Fernando, Paulo, Brenno...meninos, essa é pra vocês.
Obrigada pelas visitas!

Monday, October 27, 2008

Quando a Arte vira Rock, Parte CXXXV



Grigoriy Druzhinin (1840), de Pavel Fedotov, e Matt Berninger, vocalista do The National.

Tuesday, October 21, 2008

Musique Non Stop


PJ Harvey, Trent Reznor, Bobby Gillespie. Parabéns, vocês conseguiram. Aos 33 anos, oficialmente proclamo: estou ficando surda. E não é porque, no meu carro, o volume 9 do som parece muito débil para amplificar Killing Joke. Também não é porque, no Fórum onde trabalho, o juiz já responde com irritação (né, Brenno?) quando faço o mesmo pedido pela centésima vez: "Quê? Não ouvi nada. Dá pra repetir?". É porque...porque...hamm....comecei...a ter....alucinações musicais. Prontofalei.
Aconteceu no início do mês, depois que eu baixei "The Prodigal Sun", da banda texana The Black Angels. Bateria marcial, guitarra compassada, quase uma marcha. Ou seja, a típica música que age como detonadora da tecla "repeat". De novo. E de novo. Só mais uma vez, vai. Juro que é a última.
E foi assim - após uma seqüência de no mínimo vinte audições - que meu cérebro decorou "The Prodigal Sun". O problema é que decorou...com louvor. Primeiro sábado de outubro, de manhã. Chovia quando eu tentava descer a rua na qual fica o prédio da minha professora de inglês. Sem guarda-chuva, impedida de correr por culpa da bota de salto fino. Um camburão (!) preto passou por mim, parou no sinal vermelho. Som jorrando alto pelas janelas abertas. Era a introdução de "The Prodigal Sun", que parava antes da entrada do vocal e se reiniciava continuamente! Esqueci que meu vestido estava encharcado, que o cabelo pingava. Fiquei lá, pernas tortas na calçada, petrificada, boca aberta. Carro de playboy, na Vila Madalena, tocando a mega-obscura Black Angels é fato tão absolutamente impossível quanto, digamos, Sarah Palin cantando "Máquina de Ricota", música do Bonde do Rolê que é uma verdadeira ode à finesse. Não aconteceu de verdade. Foi uma miragem sonora. Foi meu cérebro.
Tenho certeza. E fui procurar embasamento científico para explicar minha tamanha...aimeuDeus...confusão mental. Achei. Em um livro que eu já tinha em casa, na fila para a leitura. "Alucinações Musicais - Relatos Sobre a Música e o Cérebro". E foi aí que concluí que estou ficando surda. Captou? Não? Então, com a palavra...Oliver Sacks, o simpático neurologista e psiquiatra (ainda bem que minha mãe não lê esse blog), autor do livro, que tratou uma velhinha surda cuja cabeça não parava de "tocar" temas musicais da "Noviça Rebelde" (coitada): "expliquei que suas alucinações não eram psicóticas, mas neurológicas, chamadas alucinações 'de liberação' ('release' hallucinations). Por causa da surdez, a parte auditiva do cérebro, privada da usual entrada de dados externos, começara a gerar uma atividade espontânea própria, que assumia a forma de alucinações musicais, sobretudo memórias musicais de sua juventude. O cérebro precisava manter-se incessantemente ativo e, se não obtivesse sua estimulação usual, fosse ela auditiva ou visual, criava sua própria estimulação na forma de alucinações". As canções entoadas por Julie Andrews foram para a velhinha, então, aquilo que "The Prodigal Sun" foi para mim: earworms, agentes musicais cognitivamente infecciosos. Em bom português: melodias que grudam no cérebro como sanguessugas. E que se repetem over and over and over....

Impressionante, não? E Dr. Sacks não se limita ao caso da idosa alucinógena: cada capítulo do livro é dedicado a um distúrbio neurológico ou perceptivo ligado à música. Ele narra, por exemplo, a história do cirurgião ortopédico que, durante uma tempestade, foi atingido por um raio (!). O homem sofreu uma parada cardíaca. Foi reanimado e, dias mais tarde, retomou suas atividades normais. Com uma diferença. O médico, que nunca havia dado muita bola para música, inexplicavelmente se viciou em música de piano. Comprou quilos de discos, partituras, descolou um piano. Quarentão, aprendeu sozinho a tocar e a compor! Passou a dedicar seu tempo livre ao instrumento, divorciou-se! Até finalmente se apresentar em concertos, ser aclamado e invejado! Uau! Depois dessa, fui até reler entrevistas antigas do Mark Lanegan, tentando descobrir se a causa de seu talento também tem a ver com uma descarga elétrica que sacudiu os neurônios. Mas não. Quando jovenzinho, ele somente foi atropelado por um trator que partiu suas pernas.

O caso do "Médico e o Raio" ilustra uma ocorrência de musicofilia provocada por lesão cerebral (o raio afetando o cérebro) ou por falta de oxigênio no cérebro (em decorrência da parada cardíaca temporária). Por outro lado, em seu livro o Dr. Sacks também relata casos de incidência de...musicofobia! Está lá na página 34: "o caso mais impressionante foi o de um eminente crítico musical do século XIX, Nikonov, que sofreu seu primeiro ataque durante a apresentação da ópera O profeta, de Meyerbeer. Dali por diante ele foi se tornando cada vez mais sensível à música, até que por fim quase toda música, por suave que fosse, causava-lhe convulsões. (...) Nikonov, profundo conhecedor e apaixonado por música, acabou sendo forçado a deixar sua profissão e a evitar qualquer contato com música." Que dó. Bom, pelo menos o pobre Nikonov não viveu o bastante a ponto de atravessar os anos e inadvertidamente chegar a ouvir qualquer disco do Ed Motta. Morreria fulminado no ato, judiação.
Mas nem sempre música sofrível é responsável por epilepsia musicogênica. Oliver Sacks conta o drama do jovem G.G., vítima de ataques epilépticos desencadeados por....baladas (!!): "ele diz que o estilo mais provocativo é o 'romântico', especialmente as canções de Frank Sinatra ('Ele me emociona'). Afirma também que a música tem de ser 'repleta de emoções, associações, nostalgia' - quase sempre, músicas que ele conheceu na infância ou adolescência. Para provocar um ataque, a música não precisa ser alta; se for suave pode ter os mesmos efeitos". Meu Deus. Para G.G., qualquer canção entoada por Thom Yorke (cujo cérebro derrete na foto acima) agiria como cianureto em forma de ondas sonoras. E nunca, jamais, em hipótese alguma...G.G. poderia ir ao show do The National, no próximo sábado (levante a mão quem vai!)! Porque os primeiros acordes de "Fake Empire" ou o verso mais lindo da galáxia, na voz de Matt Berninger cantando a dolorosa "Secret Meeting", induziriam uma terrível crise de musicolepsia: "And so and now/I'm sorry I missed you/I had a secret meeting in the basement of my brain".

Mas voltemos à velhinha assombrada pelos trinados de Julie Andrews vibrando o gogó nas pradarias austríacas. Dr. Sacks não mentiu para a atormentada anciã: o distúrbio não tinha cura. A esperta senhora não se abateu: já que não poderia matar o earworm do Mal....cultivou earworms do Bem. Conta o psiquiatra: "nesse meio-tempo, a sra. C. tentara ampliar seu repertório de alucinações, supondo que, se não fizesse um esforço consciente, ele acabaria por reduzir-se a três ou quatro músicas repetidas indefinidamente (...). E, embora a sra. C. não fosse capaz de fazer a música parar, às vezes conseguia, com força de vontade, trocá-la". Ah, a sabedoria dos mais velhos...

Minha surdez progride. Já sofro alucinações musicais. Oliver Sacks não vê chances de recuperação. A velhinha teve uma ótima idéia.

"The Prodigal Sun", do Black Angels. "Disintegration", do Cure. "Natural's Not In It", do Gang of Four. "More or Less", do Screaming Trees. "Transmission", do Joy Division"....

Despeço-me. Hora de baixar alguns earworms. Para salvar no meu iPod neurológico...

Wednesday, October 08, 2008

Quando a Arte vira Rock, Parte CXXXIV



"Donna in Piedi", de Fernando Botero, e Beth Ditto, vocalista do The Gossip...
...E Beth fazendo cover da breguíssima Careless Whisper, do George Michael, hehe:

Monday, September 29, 2008

Uma Imprecisa Coisa Feliz




"When the willow bends/ towards the end of day/ And twilight falls again/ To the funny sound that a blackbird makes/ Twilight falls again/ As no good reason remains, I'll do the same/ Thinking of you/ One day a ship comes in, one day a ship comes in/ But I can't say how or when/ But I know somewhere the ship comes in every day" ("One Hundred Days", Mark Lanegan).

"Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito/ E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios/ Que largam do cais arrastando nas águas por sombra/ Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...
O porto que sonho é sombrio e pálido/ E esta paisagem é cheia de sol deste lado.../ Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio/ E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol..." ("Chuva Oblíqua", Fernando Pessoa).

Eu tinha um plano. Traçado com meses de antecedência. As escolhas não poderiam ser erradas. Lugar: Lisboa. Bar pequeno, palco e platéia nivelados. Ingresso comprado antes da passagem aérea. Encomenda feita pela net. Hotel reservado, OK. Início de setembro. Vambora. Vai dar certo. Será?
Hoje quero preparar-me,/ Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte.../Ele que é decisivo./ Tenho já o plano traçado (...)/ Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,/ Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...("Adiamento", Fernando Pessoa).


Noite fresca de verão em Lisboa, poucas pessoas no Santiago Alquimista quando chego, adiantada. Duas pessoas na frente do palco. Beleza. Garanto o meu lugar, ao lado de uma menina que, na penumbra, tenta ler um livro de dimensões enciclopédicas. Aos poucos, a pista vai enchendo. Gente normal. Nada que lembre o povo indie paulistano, padronizado e provinciano. Bom...gente..quase normal. Um senhor sexagenário, óculos, camisa pólo esticada sobre a barriga e arrumada dentro da calça, pede uma cerveja no bar. Para seu acompanhante - cinqüenta anos (!) mais novo - pega uma Coca-Cola. O menino parece empolgado, ansioso. O avô, meio constrangido.
Ao ver o neto a brincar,/ Diz o avô, entristecido: "Ah, quem me dera voltar/ A estar assim entretido" ("O Avô e O Neto", Fernando Pessoa).

Minutos antes do show, Greg Dulli - metade da dupla Gutter Twins - atravessa a pista e desaparece atrás das cortinas do palco. Não vejo a outra metade. Talvez esteja no backstage, tratando a voz com nicotina. Não há outro jeito senão protelar a execução do plano.
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos./ Sigo o fumo como a uma rota própria, (...)/ Depois deito-me para trás na cadeira/ E continuo fumando./ Enquanto o destino mo conceder, continuarei fumando. ("Tabacaria", Álvaro de Campos-Fernando Pessoa)

E então começa. Mark Lanegan surge no palco. Olhando para baixo. Anda até o microfone, não olha para o menino e seu avô na primeira fila, não vê ninguém. Enquanto o despachado Greg Dulli cumprimenta os fãs e brinca com a platéia, Lanegan, sério e calado, segura o suporte do microfone, fecha os olhos, enruga o rosto incomodado com os flashes fotográficos. Canta alheio ao que ocorre no local, trancado em um mundinho particular no qual visitantes não são bem-vindos.
É, não vai ser fácil.
Não me peguem no braço!/ Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho./ Já disse que sou só sozinho! Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!/ (...) Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo.../E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho! ("Lisbon Revisited (1923)", Álvaro de Campos-Fernando Pessoa).

O show avança. Intervalo antes do bis. Acho que não vai funcionar. Terminado o show, ele vai evaporar. Introvertido demais para socializar com os fãs. Os dois voltam para o palco, primeiros acordes da música. Então vai ter que ser agora. Distância de alguns passos. O segurança está do outro lado. Dá tempo. Mas....de olhos fechados...como ele vai me ver? Bom....pensando bem...ele não precisa me ver. Basta sentir...
Foi um momento/ O em que pousaste/ Sobre o meu braço,/ Num movimento/ Mais de cansaço/ Que pensamento,/ A tua mão/ E a retiraste./ Senti ou não? ("Foi um Momento", Fernando Pessoa).

Ele abre os olhos apressado, despertado pelo cutucão. Não entende o que eu exatamente faço na frente dele, até ver meu braço esticado, apontando um livro na sua direção. Compreende então, e aceita o presente. De volta ao meu lugar na platéia, vejo o esforço que ele faz para encontrar um feixe de luz que permita a leitura da capa. A expressão de surpresa, quando descobre autor e conteúdo, chega a ser engraçada. E duvidosa. Putz, devo ter exagerado. Ele não gostou. Espera....está olhando fixamente para o livro. E...sorrindo! Ele sabe sorrir! Olha para mim. "Thank you" é o agradecimento que eu vejo mas não ouço, abafado por guitarra e bateria. Ah, ele gostou! Alívio!
Greg Dulli se aproxima, coloca uma das mãos sobre o ombro dele. Aponta para mim com a cabeça. Impossível escutar o que diz. Mas Mark Lanegan ri, olhos baixos, envergonhado. Encolhe os ombros e abre os braços, como quem diz: "pois é, eu que ganhei. Sinto muito se ela não te deu nada". Meninos....todos iguais mesmo.
Fim da apresentação. Greg Dulli se encarrega das despedidas. Lanegan não cumprimenta ou agradece os presentes. Limita-se a apanhar o livro que ele havia acomodado ao seu lado. Caminha em direção aos fundos do palco. Antes de ultrapassar a cortina, me procura com os olhos. Quando acha, acena com o livro, agradecendo mais uma vez. Um fofo.
As portuguesinhas que assistiam ao show, perto de mim, não me deixam ir embora sem explicações: "O que você fez pra ele ter ficado assim feliz!?"
Meia-noite e meia. Tomo uma Imperial enquanto vejo o roadie, sósia do ator Alan Rickman, enrolando cabos e guardando os instrumentos. Depois, hora de ir embora. Feliz da vida.
Desço acelerada a rua do Limoeiro, pronta para pegar o último metrô na estação Baixo-Chiado. Sopra uma brisa na noite quente, Lisboa está linda como nunca. E eu não consigo parar de sorrir...
As minhas mãos são os passos daquela rapariga que abandona a feira,/ Sozinha e contente como o dia de hoje...("Chuva Oblíqua", Fernando Pessoa).
Assim a brisa/ Nos ramos diz/ Sem o saber/ Uma imprecisa coisa feliz ("Foi um Momento", Fernando Pessoa).

Que vida engraçada. Mark Lanegan é meu ídolo. Não tenho fotos com ele, não tenho seu autógrafo. Ele que tem o meu. Na forma de dedicatória escrita na primeira página de um livro de poemas. Fernando Pessoa traduzido para o inglês. Na minha estante, em casa, empilham-se os CDs do meu ídolo. Na estante dele, um livro meu. E na minha memória, um sorriso doce e raro. Que partiu de alguém que um dia decidiu que a vida não oferece muitas boas razões para sorrir. Uma honra que, no meu caso, tenha sido aberta uma exceção.

Valeu a pena. E a alma não foi pequena.

Ah, bom!


Página de jornal português que cobria vitrine em Lisboa.

E no metrô lusitano...

Eu: "-Por favor, quero comprar dez bilhetes."

Funcionário: "-Dez? Por que então você não leva de vez o cartão? É só cinqüenta centavos mais caro."

Eu: "-Ah tá....mas....é a mesma coisa?"

Funcionário: "-Não, né! É um cartão!"

Friday, September 12, 2008

Em Lisboa

Mark Lanegan é um fofo. Quando eu voltar de viagem, no fim do mês, conto o que rolou no show luso do Gutter Twins...
Aguardem.

Monday, August 25, 2008

Piada Interna

Para quem gosta de Mark Lanegan e Greg Dulli, história engraçada contada em entrevista para o The Sun:


http://www.thesun.co.uk/sol/homepage/showbiz/sftw/article858871.ece

Tem junto o áudio com o Lanegan rindo, coisa rara!


Conclusões:


1) Meninos passam dos 40 anos, mas continuam bobos...(mas no fundo, nós meninas gostamos dessa bobeira).
2) O "Garagem" faz muita falta. Típica história garagística, que eles contariam se estivessem no programa. Deu saudades.
3) Uma das melhores coisas da vida é viajar com amigos...(né, Anna!!!)

Saturday, August 23, 2008

Quando a Arte vira Rock, Parte CXXXIII



"David", de Andrea Del Verrocchio, e Gary Lightbody, vocalista do Snow Patrol.

Tuesday, August 19, 2008

I Know It's Over





"This is our last goodbye/ I hate to feel the love between us die/ But it's over/ Just hear this and then I'll go." ("Last Goodbye", Jeff Buckley)


"Close my eyes/ Feel me now/ I don't know how you could not love me now." ("Sometimes", My Bloody Valentine).


Itália, novembro de 1.912. "O melhor que você pode fazer é me odiar. Detesto assinar isso". As duas frases - geladas - encerram a carta endereçada a Louie Burrows. D.H. Lawrence, escritor inglês e autor de "O Amante de Lady Chatterley", anunciava à noiva que iria se casar. Com outra. Fim de romance, sem anestesia. Lawrence estava com vinte e sete anos de idade. Se vivesse no século XXI, teria mandado um e-mail. Provavelmente redigido ao som de "I´m your villain", da banda escocesa Franz Ferdinand, tocando no I-Pod..."I know what I am/ I'm your villain/ I don't give a damn if/ I'm your villain".

A jornalista Elisabeth Orsini teve uma idéia luminosa: "Cartas do Coração - Uma Antologia do Amor" é uma compilação. Beethoven para a amada imortal, Dostoievsky a Anna, Napoleão para Josefina. Poetas, músicos, chefes de Estado, pintores, figuras históricas que em algum momento de suas vidas escancararam sentimentos através de tinta e papel. D. Pedro I, apaixonado, assina com apelido ridículo sua cartinha para a Marquesa de Santos: Fogo Foguinho. O compositor Torquato Neto (1.944-1.972) pede a Ana Duarte que telefone entre 4 e 10 horas (!), porque o papel acabou. Mas teve tempo de enviar, no finzinho, "uns 90 beijos enormes". Mas nem tudo é arrebatamento e felicidade no livro organizado por Beth Orsini. "Difícil Adeus" é o título do último capítulo. Desfile de cartas que têm em comum a delicada, penosa ou no mínimo desconfortável missão de comunicar à até então cara-metade...que a fila andará. E também o outro lado: mensagens aflitas e suplicantes dos desprezados que tentam reverter, ou evitar, o que muitas vezes é definitivo. O temido pé-na-bunda.

Ana Bolena, por exemplo, não quis salvar apenas seu casamento quando, encarcerada, escreveu ao rei Henrique VIII. Sabia que o marido pensava em matá-la, acusando-a de adultério, incesto e feitiçaria! "Senhor, vosso desprezo e minha prisão parecem-me coisas tão estranhas, que não sei o que escrever ou que desculpas apresentar." A carta é humilde, o tom é de humilhação. Na despedida, uma última tentativa de comoção: "De minha triste prisão na Torre, aos seis de maio. Vossa esposa muito leal e sempre fiel, Ana Bolena". Inútil. Ana Bolena foi decapitada em 1.536. Abandonada. Personagem com história que se encaixa perfeitamente à letra triste de "Woman Left Lonely", da meiga Chan Marshall, a Cat Power: "A woman left lonely/ she’s the victim of her man/ yes she is./ When he can’t keep up his own way/ good Lord/ She’s got to do the best that she can, yeah!/ A woman left lonely/ Lord, that lonely girl/ Lord, Lord, Lord!"

Diante do fim, há quem reaja com amargura. "Estou sozinho. Mil vezes não te tivesse conhecido. (...). O que me causa horror é o teu desapreço por mim, homem de pensamento, a tua desatenção pelo espírito que sou". Frases fortes, não? Ah, se o responsável por elas - o poeta Augusto Frederico Schmidt - não tivesse morrido três anos antes do nascimento de Thom Yorke, se seu caso de (des)amor com Yêdda Schimdt rolasse nos dias atuais...poderia pegar emprestada do Radiohead essa agulhada no coração, em forma de verso que Thom pronuncia no meio da sublime canção "All I need": "I'm all the days/that you choose to ignore". Yêdda mudaria de idéia, com certeza.
Chantagem emocional. Outro recurso eleito pelo angustiado que sente o amor de sua vida escorregando por seus dedos (situação que Auguste Rodin modelou, também com os dedos, criando "Fugit Amor" - escultura tocante fotografada acima). E lá vai Jarvis Cocker, da banda Pulp, em "Don't you want me anymore", traduzindo em palavras mais um momento loser: "And now the whole damn town has come around to laugh at me/ Oh yeah Oh they can stare for evermore/ you do not care for me/ Oh no Oh they can stare now for a hundred thousand years/ Don't you want me anymore?". Sem ao menos imaginar, Vladimir Maiakovski antecipou em algumas décadas a técnica de Cocker para injetar remorsos e pena no coração de uma desalmada (no caso de Maiakovski, Lili Brik): "Estou sentado num café e choro. As garçonetes riem-se de mim. Dá medo pensar que toda minha vida futura será assim". Eis as curiosas semelhanças entre um poeta russo revolucionário e um cantor nerd de brit pop!
E se, diante da perda, o amor de um homem por uma moça pode se misturar ao desespero...o amor de um moço...por outro moço percorre o mesmo calvário. "Se eu não mais devo revê-lo, entrarei para a marinha ou exército. Oh, volte, eu choro a cada momento. Diga-me que vá ao seu encontro, eu irei, diga, telegrafe". Tentativa exagerada de Arthur Rimbaud para convencer Paul Verlaine a largar a esposa. "Don't punish me/For wanting your love inside of me/Don't punish me/For wanting your love inside of me", canta o andrógeno Antony, do Antony and the Johnsons.
Jorge Luis Borges, em sua carta a uma Estela Canto inclinada a romper o romance, pede com timidez: "Estela, Estela, quero estar contigo, quero estar silenciosamente contigo." Paul Banks, vocalista do Interpol, é bem mais explícito ao chamar por outra Stella, na maravilhosa "Stella was a diver and she’s always down": Stella/ Stella/ Oh Stella!/ Stella I love you/ Stella I love you/ Stella I love you!"
Em 1979, o inglês Ian Curtis, vocalista da banda Joy Division, redigiu um lamento, um esforço para explicar um angustiante sentimento de finitude. Não propriamente em forma de carta, mas de canção. A avassaladora "Love Will Tear Us Apart". Seu casamento com Deborah Curtis estava esmorecendo, havia uma amante. "When the routine bites hard/ And ambitions are low/ And the resentment rides high/ But emotions wont grow/ And were changing our ways/ Taking different roads/ Then love, love will tear us apart again". Curtis sentia culpa, questionava a causa de seus erros, o porquê da relação ter se tornado opaca, vazia. A pergunta crucial: "Is it something so good/ Just can't function no more?". Sem conseguir resposta, o sofrimento do epilético e depressivo Ian Curtis só terminou quando encontrou uma medida extrema, o suicídio. Talvez a resposta pela qual Curtis tanto ansiasse pudesse ter sido dada por um talento tão genial quanto o do músico. Fernando Pessoa não compunha. Mas escreveu os poemas mais arrebatadores da língua portuguesa. E também uma carta, em 1920, para Ophelia Queiroz, a Ophelinha. Mensagem calma, respeitosa, delicada e carinhosa para justificar a razão natural de um fim. Vale a pena a transcrição de um trecho:
"Agradeço a sua carta. Ela trouxe-me pena e alívio ao mesmo tempo. Pena, porque estas cousas fazem sempre pena; alívio porque, na verdade, a única solução é essa - o não prolongarmos mais uma situação que não tem já a justificação do amor, nem de uma parte nem de outra. Da minha, ao menos, fica uma estima profunda, uma amizade inalterável. Não me nega a Ophelinha outro tanto, não é verdade?...
[...] O tempo, que envelhece a face e os cabelos, envelhece também, mas mais depressa ainda, as afeições violentas. A maioria da gente, porque é estúpida, consegue não dar por isso, e julga que ainda ama porque contraiu o hábito de se sentir a amar. Se assim não fosse, não havia gente feliz no mundo. As criaturas superiores, porém, são privadas da possibilidade dessa ilusão, porque nem podem crer que o amor dure nem, quando o sentem acabado, se enganam tomando por ele a estima, ou a gratidão, que ele deixou.
Estas cousas fazem sofrer, mas o sofrimento passa. Se a vida, que é tudo, passa por fim, como não hão de passar o amor e a dor, e todas as mais cousas, que não são mais que partes da vida?..."
Fernando Pessoa faleceu em 1935. Ophelinha se casou. E aceitou o fim.

Tuesday, August 05, 2008

Quando a Arte vira Rock, Parte CXXXII



Estátua de Strossmeyer, de Ivan Meštrović (1926), e o cantor Supla.