Thursday, December 04, 2008

A Banda de Rock de William Faulkner




A voz do branquelo Mark Lanegan, vocalista convidado, emoldurada por coral gospel, feminino. Banda inglesa, rock eletrônico mesclado por soul. Soul também no nome do grupo: Soulsavers. Influências declaradas: Joy Division, o hip-hop do Public Enemy, William Faulkner.

William Faulker?

William Faulkner nasceu no Mississippi, sul dos EUA, final do século XIX. Terra emprobrecida, arrasada pela Guerra da Secessão. Entre 1861 e 1865, os Estados do Norte industrializado lutaram contra os Estados do Sul agrícola, aristocrata, escravocrata. Massacrada pelo conflito, a população sulista dividiu-se: famílias de brancos protestantes, financeiramente arruinadas pela abolição, marginalizavam os negros recém-libertados. Os ex-escravos eram impedidos de se integrar à sociedade, comprar um pedaço de chão, votar. Nascia a Ku Klux Khan. Época de degeneração moral e física. E, algumas décadas depois, também ambiental.

A paisagem, o passado, a cultura, a religião e a tensão racial do Mississippi foram matéria-prima a serviço do humilde Faulkner - que abandonou os estudos para trabalhar - na criação do cenário e enredo de seus romances. Os dramas vividos pelos personagens rudes, miseráveis, vazios de esperanças transcorriam na fictícia cidade de Jefferson, localizada no igualmente fantasioso Condado de Yoknapatawpha, no Mississippi. Addie Bundren, a doente matriarca de uma modesta família de fazendeiros, aguarda a morte em casa. Acamada, escuta seus filhos serrando, martelando e dando forma ao seu futuro caixão. Seu último desejo é ser enterrada em Jefferson. A iminência de chuva é uma ameaça à conclusão do trabalho. O capítulo inaugural de "Enquanto Agonizo" ("As I Lay Dying") é um soco no estômago. O livro narra a marcante e penosa viagem do clã Bundren carregando o caixão da falecida Addie rumo a Jefferson. Em 2007, parece que Soulsavers e Mark Lanegan providenciaram a trilha sonora perfeita para o périplo dos Bundren. A bateria sombria de "Ghosts of You and Me", segunda faixa do disco lançado ano passado, acompanha o vocal grave de Lanegan: "Goodbye Mary/Sweet Mother mine/Greyiest Sky/Gun metal eyes (...) Do it Darling, dig my grave/This cemetery is my own". Emocionante.
"Take me to the station/And put me on a train/I've got no expectations/To pass through here again/Once I was a rich man and/Now I am so poor". "No Expectations", outra canção do álbum "It's Not How Far You Fall, It's The Way You Land ", é um cover dos Rolling Stones que toca no mesmo tema de "O Som e a Fúria" ("The Sound and the Fury"), um dos principais romances do século passado: a decadência econômica e o fracasso nas relações pessoais dos homens e mulheres da família Compson, respeitada dinastia sulista descendente de um herói da Guerra Civil Americana. Já em "Luz em Agosto" ("Light in August"), o reverendo Gail Hightower é um homem amargurado, repudiado pelo povo de Jefferson e banido da igreja após um escândalo envolvendo sua esposa. Mora na cidade, mas é desprezado por seus habitantes. Torna-se descrente e começa a encarar a vida como um episódio passageiro, do qual não faz mais questão de participar. A força da autoridade da religião, a desilusão e a perda da fé aparecem na história de Faulkner e na triste letra de "Jesus of Nothing": "Jesus of nothing/Judas to touch/On my way/Going outta my head/(Last go around/Going outta my mind)/My trail's nearly ended".
A fúria da natureza, desgrançando e modificando destinos, é o mote de "O Velho" ("Old Man"), um dos dois contos de "Palmeiras Selvagens" ("Wild Palms"). "Velho" é o apelido do rio Mississippi. Na história de Faulkner, por culpa de um dilúvio, o Mississippi transborda e uma enchente de proporções bíblicas assola parte do Sul dos EUA. Prisioneiros de uma colônia penal rural têm que ser removidos; durante o traslado, um condenado negro cai da embarcação e some na correnteza. Ele sobrevive, consegue um bote. Resgata uma mulher grávida e procura ajuda. Só que a visão de sua roupa de detento bloqueia a solidariedade das pessoas, a ponto de, sozinho, não ter opção senão auxiliar a moça no momento do parto. Sua vida apenas faz sentido na prisão, e é para lá que o preso sonha voltar. Quando finalmente consegue, tem sua pena aumentada. Por....tentativa de fuga. As imagens dos efeitos de tragédias naturais, que desencadearam tragédias humanas, são parte do lindo vídeo de "Kingdoms of Rain", uma das canções mais tocantes e desesperadas que Mark Lanegan compôs (no auge de seu vício em heroína), presente no seu segundo disco solo, "Whiskey for the Holy Ghost", e que foi regravada pelo Soulsavers. No clipe, uma menina caminha pelo subúrbio de New Orleans e presencia o cenário desolador provocado pelas tempestades do furacão Katrina: casinhas arrombadas, saqueadas e abandonadas, árvores tombadas sobre telhados, cartazes com mensagens de esperança misturados a escombros e restos da destruição. Como se entoasse um hino religioso, Lanegan murmura os versos mais sublimes de sua carreira: "Are those halos in your hair/Or diamonds shining there/Without a hope, without a prayer/This rain beats down like death/You turn your eyes to better men/Before I go I'm hangin' a cross on the nail/I hung one for you in there./Girl lay your shame to rest/and hold the lies close to your breast/You stoop to feed the crows/Some scratch the truth already cold/Before I go I'm hangin' a cross on the nail/I hung one for you in there./And every kingdom of rain comes pourin' down/Cause I loved you so much/Cause I loved you so much". No final, as imagens em preto e branco da atual New Orleans são substituídas por imagens antigas, da grande enchente do rio Mississippi em 1927. A mesma enchente que é personagem principal de "Old Man".
Soulsavers com Mark Lanegan. A banda de rock de William Faulkner.

1 comment:

Cris Ambrosio said...

Nossa, Faulkner é tão difícil... Tentei ler o começo de Luz em Agosto na livraria e me senti tão besta :/