Tuesday, August 19, 2008

I Know It's Over





"This is our last goodbye/ I hate to feel the love between us die/ But it's over/ Just hear this and then I'll go." ("Last Goodbye", Jeff Buckley)


"Close my eyes/ Feel me now/ I don't know how you could not love me now." ("Sometimes", My Bloody Valentine).


Itália, novembro de 1.912. "O melhor que você pode fazer é me odiar. Detesto assinar isso". As duas frases - geladas - encerram a carta endereçada a Louie Burrows. D.H. Lawrence, escritor inglês e autor de "O Amante de Lady Chatterley", anunciava à noiva que iria se casar. Com outra. Fim de romance, sem anestesia. Lawrence estava com vinte e sete anos de idade. Se vivesse no século XXI, teria mandado um e-mail. Provavelmente redigido ao som de "I´m your villain", da banda escocesa Franz Ferdinand, tocando no I-Pod..."I know what I am/ I'm your villain/ I don't give a damn if/ I'm your villain".

A jornalista Elisabeth Orsini teve uma idéia luminosa: "Cartas do Coração - Uma Antologia do Amor" é uma compilação. Beethoven para a amada imortal, Dostoievsky a Anna, Napoleão para Josefina. Poetas, músicos, chefes de Estado, pintores, figuras históricas que em algum momento de suas vidas escancararam sentimentos através de tinta e papel. D. Pedro I, apaixonado, assina com apelido ridículo sua cartinha para a Marquesa de Santos: Fogo Foguinho. O compositor Torquato Neto (1.944-1.972) pede a Ana Duarte que telefone entre 4 e 10 horas (!), porque o papel acabou. Mas teve tempo de enviar, no finzinho, "uns 90 beijos enormes". Mas nem tudo é arrebatamento e felicidade no livro organizado por Beth Orsini. "Difícil Adeus" é o título do último capítulo. Desfile de cartas que têm em comum a delicada, penosa ou no mínimo desconfortável missão de comunicar à até então cara-metade...que a fila andará. E também o outro lado: mensagens aflitas e suplicantes dos desprezados que tentam reverter, ou evitar, o que muitas vezes é definitivo. O temido pé-na-bunda.

Ana Bolena, por exemplo, não quis salvar apenas seu casamento quando, encarcerada, escreveu ao rei Henrique VIII. Sabia que o marido pensava em matá-la, acusando-a de adultério, incesto e feitiçaria! "Senhor, vosso desprezo e minha prisão parecem-me coisas tão estranhas, que não sei o que escrever ou que desculpas apresentar." A carta é humilde, o tom é de humilhação. Na despedida, uma última tentativa de comoção: "De minha triste prisão na Torre, aos seis de maio. Vossa esposa muito leal e sempre fiel, Ana Bolena". Inútil. Ana Bolena foi decapitada em 1.536. Abandonada. Personagem com história que se encaixa perfeitamente à letra triste de "Woman Left Lonely", da meiga Chan Marshall, a Cat Power: "A woman left lonely/ she’s the victim of her man/ yes she is./ When he can’t keep up his own way/ good Lord/ She’s got to do the best that she can, yeah!/ A woman left lonely/ Lord, that lonely girl/ Lord, Lord, Lord!"

Diante do fim, há quem reaja com amargura. "Estou sozinho. Mil vezes não te tivesse conhecido. (...). O que me causa horror é o teu desapreço por mim, homem de pensamento, a tua desatenção pelo espírito que sou". Frases fortes, não? Ah, se o responsável por elas - o poeta Augusto Frederico Schmidt - não tivesse morrido três anos antes do nascimento de Thom Yorke, se seu caso de (des)amor com Yêdda Schimdt rolasse nos dias atuais...poderia pegar emprestada do Radiohead essa agulhada no coração, em forma de verso que Thom pronuncia no meio da sublime canção "All I need": "I'm all the days/that you choose to ignore". Yêdda mudaria de idéia, com certeza.
Chantagem emocional. Outro recurso eleito pelo angustiado que sente o amor de sua vida escorregando por seus dedos (situação que Auguste Rodin modelou, também com os dedos, criando "Fugit Amor" - escultura tocante fotografada acima). E lá vai Jarvis Cocker, da banda Pulp, em "Don't you want me anymore", traduzindo em palavras mais um momento loser: "And now the whole damn town has come around to laugh at me/ Oh yeah Oh they can stare for evermore/ you do not care for me/ Oh no Oh they can stare now for a hundred thousand years/ Don't you want me anymore?". Sem ao menos imaginar, Vladimir Maiakovski antecipou em algumas décadas a técnica de Cocker para injetar remorsos e pena no coração de uma desalmada (no caso de Maiakovski, Lili Brik): "Estou sentado num café e choro. As garçonetes riem-se de mim. Dá medo pensar que toda minha vida futura será assim". Eis as curiosas semelhanças entre um poeta russo revolucionário e um cantor nerd de brit pop!
E se, diante da perda, o amor de um homem por uma moça pode se misturar ao desespero...o amor de um moço...por outro moço percorre o mesmo calvário. "Se eu não mais devo revê-lo, entrarei para a marinha ou exército. Oh, volte, eu choro a cada momento. Diga-me que vá ao seu encontro, eu irei, diga, telegrafe". Tentativa exagerada de Arthur Rimbaud para convencer Paul Verlaine a largar a esposa. "Don't punish me/For wanting your love inside of me/Don't punish me/For wanting your love inside of me", canta o andrógeno Antony, do Antony and the Johnsons.
Jorge Luis Borges, em sua carta a uma Estela Canto inclinada a romper o romance, pede com timidez: "Estela, Estela, quero estar contigo, quero estar silenciosamente contigo." Paul Banks, vocalista do Interpol, é bem mais explícito ao chamar por outra Stella, na maravilhosa "Stella was a diver and she’s always down": Stella/ Stella/ Oh Stella!/ Stella I love you/ Stella I love you/ Stella I love you!"
Em 1979, o inglês Ian Curtis, vocalista da banda Joy Division, redigiu um lamento, um esforço para explicar um angustiante sentimento de finitude. Não propriamente em forma de carta, mas de canção. A avassaladora "Love Will Tear Us Apart". Seu casamento com Deborah Curtis estava esmorecendo, havia uma amante. "When the routine bites hard/ And ambitions are low/ And the resentment rides high/ But emotions wont grow/ And were changing our ways/ Taking different roads/ Then love, love will tear us apart again". Curtis sentia culpa, questionava a causa de seus erros, o porquê da relação ter se tornado opaca, vazia. A pergunta crucial: "Is it something so good/ Just can't function no more?". Sem conseguir resposta, o sofrimento do epilético e depressivo Ian Curtis só terminou quando encontrou uma medida extrema, o suicídio. Talvez a resposta pela qual Curtis tanto ansiasse pudesse ter sido dada por um talento tão genial quanto o do músico. Fernando Pessoa não compunha. Mas escreveu os poemas mais arrebatadores da língua portuguesa. E também uma carta, em 1920, para Ophelia Queiroz, a Ophelinha. Mensagem calma, respeitosa, delicada e carinhosa para justificar a razão natural de um fim. Vale a pena a transcrição de um trecho:
"Agradeço a sua carta. Ela trouxe-me pena e alívio ao mesmo tempo. Pena, porque estas cousas fazem sempre pena; alívio porque, na verdade, a única solução é essa - o não prolongarmos mais uma situação que não tem já a justificação do amor, nem de uma parte nem de outra. Da minha, ao menos, fica uma estima profunda, uma amizade inalterável. Não me nega a Ophelinha outro tanto, não é verdade?...
[...] O tempo, que envelhece a face e os cabelos, envelhece também, mas mais depressa ainda, as afeições violentas. A maioria da gente, porque é estúpida, consegue não dar por isso, e julga que ainda ama porque contraiu o hábito de se sentir a amar. Se assim não fosse, não havia gente feliz no mundo. As criaturas superiores, porém, são privadas da possibilidade dessa ilusão, porque nem podem crer que o amor dure nem, quando o sentem acabado, se enganam tomando por ele a estima, ou a gratidão, que ele deixou.
Estas cousas fazem sofrer, mas o sofrimento passa. Se a vida, que é tudo, passa por fim, como não hão de passar o amor e a dor, e todas as mais cousas, que não são mais que partes da vida?..."
Fernando Pessoa faleceu em 1935. Ophelinha se casou. E aceitou o fim.

10 comments:

Tânia N. said...

Acabamos de receber este post de um amigo e viemos aqui dizer que estamos absolutamente emocionados com o que lemos...lindo e super bem escrito, parabéns mesmo!

Cris Ambrosio said...

Terminei um praticamente sobre o mesmo assunto, essa semana. É "Carta a D.", do Andre Gorz. Muito bonito.

Na verdade, é mais uma reflexão sobre o que é o amor de fato do que essas coisas ditas meio que impulsivamente (e uma despedida também, mas um pouco diferente...).

(Tive que ouvir "você lendo livro sobre amooor?!!", só que não é beem isso...).

caso interesse saber mais
http://boxdeideias.blogspot.com/2008/08/beloved.html

bjs!

Galaxy Of Emptiness said...

Puxa, obrigada..ahnn..."rostinhos"! Legal que vocês gostaram!

Cris, estou em dívida com você!! Viajo só no dia 04. A gente combina de se ver antes! Tá muito, muito apertada com o vestiba?
Bjs!!

Cris Ambrosio said...

Combinamos sim! Apertado apertado não está; eu ando ficando até tade no colégio pra colocar as coisas em dia, está funcionando. (O problema é que Domingo que vem tem o inútil do enem e o etapa, legal como sempre, colocou prova no Sábado. Eba. E simulado na segunda. EBA.)

Mesmo se não estivesse eu também iria, faz tanto tempo que a gente não se fala!! ;)

Anonymous said...

Muito pertinente colocar "Last Goodbye" para ilustrar esse texto, Ana! A forma como ela canta essa música representa bem toda angústia que toma conta das pessoas nesses momentos. As vezes chego a pensar que é até um pouco brega, mas o desespero leva as pessoas a agirem de uma forma que elas jamais imaginariam, acho que é isso que a voz dele transmite.
É uma música muito forte!

Outra banda boa que explora muito o tema do coração partido é o "Wedding Present". Ao menos uma coisa positiva nós ganhamos com o sofrimento deles, belos livros e músicas.

Mais um lindo texto seu.
(Ah, você me deve um empréstimo, eu não esqueci!)

Galaxy Of Emptiness said...

Obrigada, Daniel!!
Não esqueci a revista, não! Vamos combinar alguma coisa sábado que vem, a gente arrasta a Cris! Pode ser?
Vc. saiu do Orkut?
Bj.

Anonymous said...

Ana, não sei o que aconteceu. Um belo dia não consegui mais fazer login na minha conta, o mesmo aconteceu com meu Last, que também desapareceu! Só sobrou o Myspace.

Pode ser, vamos combinar!

Galaxy Of Emptiness said...

Tá, a gente combina, Daniel.

Cris, eu li "Carta a D.". Chorando da primeira à última página (ainda bem que o livro é curtinho, rs).

Escrever é a manifestação de amor mais fácil que há, acho. Falar pode ser tão complicado...causar estragos. Vai ver que é por isso que tem tanto livro, cartas, músicas, emails apaixonados por aí.
Ah. E blogs, né.

Beijos, Cris querida. Obrigada pela dica do livro.

Cris Ambrosio said...

Lindo, Não? Parece um assunto que foi tão tratado que está saturado, mas ele conseguiu dizer muitas coisas novas. (Também né, não é nenhum Zé Ninguém.)

Pois é, falar é difícil demais, credo. Prefiro escrever, mesmo :)

Estou totalmente livre Sábado, daí a gente vê!

(também tinha notado o orkut do Daniel; pensei que ele tivesse se rebelado!)

Anonymous said...

Há muito tempo já achava o orkut ultrapassado, no geral. Mas não, nunca tive nenhuma razão para me rebelar! ahhahahhaa

Todas as pessoas mais próximas que eu conheço, eu consigo achá-las e elas da mesma forma, me acham facilmente. E eu penso como o Álvaro, 99,9% do conteúdo do orkut ou servia para o propósito de galinhagem ou para fofocar. Me desculpem os que gostam e vêem utilidade nele. O bug que me atingiu não me irritou (se é que foi bug, sei lá).

Cris, vamos aproveitar o sábado para por em dia um belo assunto, geometria analítica focada em fractais!!! :)