Friday, May 09, 2008

Black Postcards: a Rock & Roll Romance





"Rough Trade landed us a run of shows supporting the Sundays in the U.K. The Sundays was a pop band from Bristol, whose debut album was at number four on the charts - the real charts, not the fake independent ones."

Página 81. É na página 81 que por acaso abro o livro escrito por Dean Wareham, exposto na livraria de língua inglesa localizada em uma rua movimentada de Bruxelas. Leio o trecho que copiei logo acima....e não é preciso mais nada para que uns bons - e muitíssimo bem gastos - euros migrem da minha bolsa em direção à caixa registradora.
"Black Postcards: a Rock & Roll Romance" é a recém-lançada autobiografia de Dean Wareham, músico nascido na Nova Zelândia em 1963 (e ainda vivinho da Silva). Dean é compositor, guitarrista e vocalista. Conhecido no meio alternativo como ex-membro de duas grandes bandas, já falecidas: Galaxie 500 e Luna. O tema central do livro - uma delícia! - é justamente esse: Wareham conta, de maneira divertida e sarcástica, que ser "conhecido" no meio alternativo na maioria das vezes significa ser ignorado pela massa de ouvintes, consumidores de música. E que ser integrante de uma "grande banda" raramente é sinônimo de ser integrante de uma "banda grande".
Depois de passar a infância, início da adolescência em seu país natal e Austrália, Dean mudou-se para Nova Yorque em 1977. É lá que Wareham toma contato com o punk e pós-punk. Foi testemunha presencial de Ramones, Blondie, Clash, Gang of Four se apresentando nos clubes mais bacanas da cidade. Dean cursou a Universidade de Harvard, onde também estudaram Damon Krukowski e Naomi Yang. Em 1986, os três se uniram para criar o Galaxie 500, banda de canções suaves e melancólicas. Dean na guitarra, Naomi no baixo, bateria para Damon. Bom, eles não sabiam tocar. Mas...who cares? Dean, não. "Mary Harron wrote that rock and roll 'is the only form of music wich can actually be done better by people who can't play their instruments than people who can'".

Gravando demos, tocando em pequenos clubes e assinando contrato com uma minúscula gravadora, o Galaxie 500 tentava conquistar seu espaço. Vieram então boas críticas publicadas como pequenas notas em conceituadas revistas inglesas (a banda sempre foi mais querida no Reino Unido do que nos EUA), a admiração externada por Sonic Youth (outra banda indie, mas já estabelecida), o contrato com nova gravadora, três discos lançados, turnês...e só. O Galaxie 500 nunca estourou. Sem um pingo de amargura ou frustração, Dean narra diversas situações embaraçosas ou divertidas, experimentadas por alguém que jamais atingiu status de rock star a ponto de destruir quartos de hotéis, fugir de fotógrafos ou compor em estúdios guarnecidos com piscina e quadra de tênis. Um dia, representante da gravadora Geffen marcou encontro com Dean e o casal Damon/Naomi, aparentemente interessado no som do trio. Faltou ao compromisso, sem maiores explicações. Wareham depois descobriu que o foco de interesse do empresário havia mudado: preferiu contratar outro trio. Nirvana.

"Você tem banda!?", espantou-se uma colega de trabalho de Dean. "Ah, então não deve ser conhecida". Atitudes de desprezo, ou até mesmo mesquinhas, também partiam de outras bandas alternativas...Wareham revela que a dupla Sundays impôs várias condições para que o Galaxie 500 não se destacasse durante shows da turnê conjunta. Entrega que nem todos os artistas e selos independentes vivem "para" a Música. Condena aqueles que vivem "de" Música (segundo Dean, no mundinho alternativo a banda Jesus and Mary Chain recebeu o apelido de...Jesus and Money Chain...). Wareham explica que é errada a idéia de que as gravadoras e selos independentes não exploram ou enganam artistas inocentes e sem grana (Dean dedica duas páginas do livro para esculachar Steve Albini, produtor de discos dos Pixies e Nirvana. Albini repreendeu a onda de músicos independentes que, nos anos 90, ousaram assinar contratos com grandes gravadoras). A ambição saudável de Wareham - que também queria um contrato com gravadora que não operasse sob eterno risco de concordata - foi uma das causas de sua saída (e do fim) do Galaxie 500. Dean se queixava que Damon e Naomi, namorados, sempre venciam quando assuntos de interesse da banda eram colocados em votação. Afinal, os votos dos dois eram idênticos (e, em um trio, a maioria). Wareham, ressentido, passou a chamá-los de "Gang of Two". Em 1991, convocou outros músicos e criou o Luna, que teve vida longa: oito discos.

Wareham é humilde e lúcido. Conta que respondia educadamente as perguntas de jornalistas que, nos anos 80, queriam saber sua opinião sobre Pixies. Nos anos 90, sobre as bandas do movimento shoegaze e grunge. E, no novo século, sobre Strokes e White Stripes. O interesse no seu próprio som geralmente era secundário. Ou então vinha de fanzines obscuros: "It was odd playing to an audience of eleven, and then being interviewed as if anyone cared what we had to say about anything. Such is the world of indie rock."
No livro, Dean dá uma verdadeira aula a respeito das dificuldades e apertos financeiros que um artista independente sofre. Gravadoras pagam aos músicos uma soma adiantada, para gravação de discos (os contratos dispõem sobre quantos álbuns devem ser lançados, em quais intervalos de tempo), vídeos, despesas com publicidade e turnês. Cabe então à banda corresponder às expectativas da contratante, vendendo CDs de modo a restituir o dinheiro investido. Além, logicamente, de arcar com o gordo desconto da porcentagem cabente à empresa sobre vendas de discos. Resumindo: a maioria dos artistas não consegue uma boa resposta do mercado. Torna-se devedora de milhares de dólares. O jeito....sair em turnês. Dormir em hotéis que são espeluncas. Tocar em buracos, para público ínfimo (Dean conta que chegou a se apresentar em um "clube" que era também uma...lavanderia!! Levando roupa para lavar, o cliente ganhava um desconto no ingresso para o show!). E torcer para vender um significativo número de camisetas depois das apresentações (descontado o valor devido ao estabelecimento no qual rolou o show e foi montada a "lojinha" do artista).
As melhores histórias do livro são aquelas que Dean descreve como sendo suas aventuras em turnês (ao final da biografia, Wareham agradece ao pai por aconselhá-lo a sempre tomar notas em suas viagens). O Luna excursionou pelos EUA a bordo de um ônibus caindo aos pedaços, que havia pertencido ao cantor country Willie Nelson. É hilário o capítulo em que Wareham conta que, como passatempo, a banda brincava de "Who would you open for" e "Who would you fuck": um dos rapazes do Luna citava o nome de um artista, alternativo ou não. Billy Corgan, por exemplo. Aí os demais comentavam se o Luna abriria um show do Smashing Pumpkins ou....bem, traduza você.
Embora ferrado e mal pago, Dean conheceu boa parte do mundo graças às turnês. Fala de seu imenso carinho pela Espanha: comida, gente bonita, muitos fãs do Luna, drogas. E não economiza comentários ácidos sobre lugares que detestou. Menciona frase genial de Mark Twain para deixar bem claro que em Cincinnati, nos EUA, a vida passa em câmera lenta: "When the end of the world comes, I want to be in Cincinnati, because it's always twenty years behind the times." O Luna esteve no Brasil, em 2001. Wareham lembra que, em São Paulo, a banda tocou ao vivo em um programa noturno da rádio Brasil 2000. Era o Garagem!!
O Luna se desfez em 2004, sem brigas. Dean estava cansado da rotina "compor em estúdio/gravar/sair em turnê". E havia Britta Phillips, a baixista. Causou desconforto na banda o caso de Dean e Britta. Dean era casado e pai de um menino pequeno quando se apaixonou pela linda Britta (parecidíssima, aliás, com outra Naomi: a não menos linda Naomi Watts, atriz de cinema). Os dois passaram a compartilhar quartos de hotéis durante as turnês. Quando a mulher de Wareham descobriu a relação, exigiu que Britta fosse dispensada da banda. Dean então narra a culpa e a angústia que suportou durante dias, dias que ele denominou como sendo os piores de sua vida. No final, escolheu Britta. Divorciou-se. Hoje, o novo casal é a dupla "Dean & Britta", que ainda segue a linha de canções "dream pop" do Luna.
"Black Postcards: A Rock & Roll Romance" é narrativa hipnótica que vai muito além das memórias de seu autor. Como bem sintetiza a resenha impressa no próprio livro, "Black Postcards is rich in rewards for anyone who has ever been in a band or just taken an interest in indie music over the past twenty years. Black Postcards is also about what it's like to pretend to be civil as you answer the same helpful question over and over again: 'Why aren't you guys more famous?'"

8 comments:

Annix said...

Luna é uma das bandas da minha vida, mas galaxie500 me dá sono, pode? hahaha
aaaaaamo o dean wareham, o show no sesc foi quase perfeito :)
legal, vou comprar o livro! (ah, e dean&britta é tão fofo)

Galaxy Of Emptiness said...

Confesso: não morro por Galaxie 500 nem por Luna. As letras do Luna são fofas...mas, quando ouço uma música, dá vontade de pular para a seguinte e assim sucessivamente. Gosto mais de Damon & Naomi.

Joaollourenco said...

Duas bandas que gosto muito.
Hoje prefiro o Luna/Luna2 por ser mais alegrinha.
Gosto do clip deles que andam em um galaxie 500.
Isto me lembra o auge das importações baratas quando importei a caixinha do G500 e os luna.

Cris Ambrosio said...

É, quem vê pensa que ser artista independente é aquela coisa romântica e bonitinha...

Eu acho muito legal quando vem alguém e desmistifica esse tipo de coisa; um filme que eu vi um bilhão de vezes, Quase Famosos, faz justamente isso; nada é tão legal e honesto quanto parece ser, infelizmente.

Nesse fim de semana vou procurar essas bandas para ver como é :)

bjs!

Anonymous said...

Parece ser bem interessante esse livro. É um pouco difícil encontrar livros como esse, que exploram esse lado mais "marginal" da música.

Outro que eu gostaria de ler, e ainda não li, é "Coração Envenenado".

Já tentei gostar do Galaxy 500, mas não consegui também, é uma banda que me dá sono. Entre eles o Luna e Damon&Naomi, fico com Damon&Naomi.

Galaxy Of Emptiness said...

O livro é bacana porque o autor é sincero. Admite que suas bandas, americanas, nunca fizeram sucesso real nos EUA e que mesmo na Europa a repercussão foi pequena. Ele fala que, justo ou não, sucesso mesmo quem faz é U2 e os malas do Red Hot Chili Peppers. E que indie rock não vende, e que bandas surgem e são esquecidas em um piscar de olhos. Enfim, um livro que os moleques mimados do CSS deveriam ler...

Anonymous said...

Muito legal a forma como o autor assume sua própria pequenez, visão bem humorada nunca é demais.

Eu gosto de muitas bandas que são consideradas indies, mas devo admitir que não consigo conversar por mais de 10 segundos com um indie típico (aquele povo ao qual o Barça se referia como "os golas rolês" ou o Bruno espertamente os denomina como "povo do aro grosso").

De uma forma geral é gente de visão estreita, esnobe e complexada.

Poste mais dicas de livros sobre música.

Galaxy Of Emptiness said...

Indie paulistano só vai acabar no glorioso dia em que a NME fechar suas portas. Revistinha lazarenta. Além de nefasta e inútil, cheira mal. Nem abro. Aquele papel jornal colorido é fedorento. Se gambá fosse revista, seria a NME.

Comecei a ler outro livro legal sobre música. Surpresa, senão perde a graça.