Sexta-feira passada, fui dormir bem mais tarde. Não por causa de alguma balada. Fiquei esperando que a televisão divulgasse o resultado do julgamento da Suzane e dos irmãos Cravinhos. E demorou. Jurados, juiz, promotores, advogados e escreventes passaram bastante tempo confinados na Sala Secreta. Bom sinal, pensei. Porque, em primeiro lugar, o Júri responde as perguntas (quesitos) referentes às teses da Acusação. Se essas teses são logo de cara rejeitadas, então as da Defesa nem são submetidas à análise dos jurados. E a porta da Sala Secreta se abre antes....
A Sala Secreta. Conheço bem. Já fui fechada dentro dela pelo menos umas cinqüenta vezes. Aliás, só de lembrar...arrepia. Quem é promotor de Júri (like me), ou advogado de Júri, sabe: é preciso ter coração de aço para sobreviver à votação da Sala Secreta.
Bom, a lei fala em "Sala Secreta". Mas a terminologia é errada. A sala não é secreta. "Sala Secreta", para mim, é aquele quartinho de filme de suspense, cuja porta é uma falsa estante de livros que se abre depois que o mordomo aperta um botão escondido atrás de um quadro. Em Atibaia, por exemplo, a "Sala Secreta" não é emocionante; é simplesmente a óbvia e acessível copa(!) situada no térreo do Fórum. Onde eu entro clandestinamente para furtar bolachas nos dias em que não tem julgamento (sim, Dona Inês, sou eu. Mas a Beth também pega, que eu sei!). O que é secreto é aquilo que rola na sala: a votação. Porque o julgamento é público. Mas o voto é secreto. Nem os jurados podem se comunicar.
Vou contar tudo o que rola na Sala Secreta. Funciona assim: os sete jurados se sentam em torno de uma mesa (geralmente, a mesa do almoço, hehe). Tipo família italiana. O juiz ocupa a cabeceira. Teoricamente, promotor e advogado tomam uma certa distância. Eu não. Não adianta: viro papagaio de pirata. Fico lá, praticamente pendurada em cima do ombro do juiz (juíza. Em Atibaia, é uma moça). Quero ver tudo. Cada jurado recebe duas cédulas: uma com a palavra "sim" e outra com a palavra "não". Aí, leitura dos quesitos. A juíza lê a primeira pergunta (por exemplo: fulano efetuou disparos de arma de fogo na direção da vítima?), explica o que ela significa e facilita a vida dos jurados: "A promotora quer resposta "sim"; a defesa quer reposta "não". Podem escolher uma cédula e votar". Um escrevente feliz passa com o saquinho (a lei fala em "urna". Até parece! É um saquinho preto de pano, tipo de mágico) para recolher as cédulas dos votos. Cada jurado tem que botar a cédula fechada dentro do saquinho, para o voto ser secreto. Quando o sétimo jurado coloca o seu voto, outro escrevente amável passa, com um segundo saquinho, recolhendo as cédulas não usadas. Os saquinhos são entregues para a juíza....que começa a contagem. É medonho. Meu prezado amigo Bruno Romani me perguntou se acompanhar a contagem é como acompanhar disputa de pênaltis. Yes! Comparação perfeita! Só que é dez vezes pior. No futebol, naquela hora sofrida, ao menos você pode roer o braço da poltrona, esconder o rosto no ombro mais próximo, xingar o juiz. Na Sala Secreta, você não pode roer o braço do advogado (embora alguns mereçam), abraçá-lo para não ver o horror (inimigo!), xingar a juíza (nem teria motivos. Tarcisa é uma fofa), ou os jurados (a não ser que seja seu último Júri naquela cidade...). Naquele momento, não há mais o que fazer: promotor e advogado já gastaram todos os seu argumentos nos debates, réplica e tréplica, durante o julgamento. Na Sala Secreta, ninguém pode mais defender seu peixe. Só resta....rezar. Bom, eu não rezo. Mas...hehe....estou em dívida com uns duzentos santos. Logo penso: "Ai meu santo/minha santa (o nome muda conforme o Júri, faço rodízio para não cansá-los), não deixe esse bandido ficar impune. Prometo que....". Putz, já prometi dois meses sem chocolate. Meio ano sem Coca Light. Prometi para sempre guardar todos os meus CDs dentro das caixinhas corretas - e enfileirá-las em ordem alfabética. Já prometi aprender a passar roupa, a tirar pó dos móveis todo sábado. Enquanto isso, a Tarcisa vai abrindo os votos, um depois do outro, e anunciando: Um "não", dois "não", três "não", quatro "sim", cinco "sim", seis "sim", sete.....".
Haja nervos. Daqui uns meses, vai rolar em Atibaia um mega Júri com - snif - oitenta (!) quesitos. Oitenta. Já imaginou você, querido são-paulino sofredor, acompanhando uma disputa de oitenta pênaltis na final da Libertadores? Pois é. Minha aflição vai ser imensamente superior. Então, da próxima vez que você for ao estádio, na hora crucial, lembre-se de mim. Coisas muito mais terríveis rolam dentro da temida Sala Secreta.
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