Wednesday, June 07, 2006

O Rei de Quase-Tudo



1974, um ano antes do meu nascimento. Um professor brasileiro escreve e ilustra uma fábula infantil que talvez esteja carimbada na memória dos meus contemporâneos. O autor é Eliardo França, ilustre desconhecido. O livrinho, "O Rei de Quase-Tudo". Um conto singelo. Para uns, crítica ao consumismo. Para outros (e para mim), uma simples história de solidão encerrada com final didático e feliz:

"O Rei de Quase-Tudo tinha quase tudo.
Tinha terras, exércitos e tinha muito ouro.
Mas o Rei não estava satisfeito com o quase tudo.

Ele queria tudo.

Queria todas as terras.
Queria todos os exércitos do mundo.
E queria todo o ouro que ainda houvesse.

Assim, mandou os seus soldados à procura de tudo.
E mais terras foram conquistadas.

Outros exércitos foram dominados.
Nos seus cofres já não cabia tanto ouro.

Mas o Rei ainda não tinha tudo.
Continuava o Rei de Quase-Tudo.

Por isso ele quis mais....
Quis as flores, frutos e os pássaros.
Quis as estrelas e quis o sol.

Flores e frutos e pássaros lhe foram trazidos.
Estrelas foram aprisionadas e o sol perdeu a liberdade.

Mas o Rei ainda não tinha tudo.
Porque, tendo as flores, não lhes podia prender a beleza e o perfume.

Tendo os pássaros, não lhes podia prender o cantar.
Tendo as estrelas, não lhes podia prender o brilho.
E, tendo o sol, não lhe podia prender a luz.

O Rei era ainda o Rei de Quase-Tudo.

E ficou triste.
Na sua tristeza saiu a caminhar pelos seus reinos.

Mas os reinos eram agora muito feios.
Não tinham flores, frutos e estrelas
e o dia não tinha sol.

E triste como ele eram os seus súditos.

Então o Rei de Quase-Tudo não quis mais nada.
Mandou que devolvessem as flores aos campos
e que entregassem as terras conquistadas.

Mandou que plantassem árvores para que dessem frutos
e que soltassem os pássaros.

Mandou que distribuíssem as estrelas pelo céu
e que libertassem o sol.

O Rei ficou feliz.
Na sua imensa alegria, sentiu a paz.

E, sentindo a paz, o Rei viu que
não era mais o Rei de Quase-Tudo.

Ele agora tinha tudo".

Em 1990, Depeche Mode, uma das primeiras bandas de rock a trilhar o caminho eletrônico adotado pelo New Order, lança a canção "Enjoy the Silence". É produzido um videoclipe para a música. E as imagens....bom, as imagens reproduzem praticamente a conclusão da história do Rei de Quase-Tudo. O vídeo é lindo. O vocalista David Gahan vestido de rei, coberto por manto e de coroa na cabeça, caminha por uma floresta. Carrega uma cadeira de armar, na qual às vezes se senta para sozinho contemplar paisagens do seu reino. Ao fundo, a voz de Gahan entoa, no refrão, que o Rei de Quase-Tudo não precisava mais de nada: "All ever wanted/All ever needed/Is here, in my arms/Words are very unnecessary/They can only do harm/Enjoy the Silence". "Enjoy the Silence" estourou. Talvez tenha se tornado o maior hit do Depeche Mode. A canção tem hoje várias versões, de Tori Amos a Linkin Park (muito decente, diga-se). Até a banda grega (!) Oberon apresentou sua tímida versão da música, no álbum "A Greek Tribute To Depeche Mode". Após alguns anos em inatividade - por conta da dependência química de Gahan - o Depeche Mode lançou o CD "Playing the Angel", ano passado. Em 2004, o álbum "Depeche Mode Remixes 81-04" vendeu mais de um milhão de cópias no mundo inteiro. "Enjoy The Silence" aparece também lá, remixada por Timo Maas e Ewan Pearson.

O livrinho "O Rei de Quase-Tudo" ganhou prêmios literários. Está esgotado nas livrarias. O autor sumiu.

"Enjoy The Silence" é música do CD "Violator", que está nas lojas e em formato mp3. É só pegar na net. O videoclipe dá pra assistir fácil, no www.youtube.com.
O Depeche Mode está de volta. Vida longa aos reis do pop-rock!

3 comments:

Anonymous said...

Olá Galaxy of emptiness,

Muito obrigado pelos comentários elogiosos ao meu meu livro "O Rei de Quase Tudo" e pela dica do "Depeche Mode", coisa que não sabia. No entanto, devo dizer que eu não sumi. Continuo ilustrando livros (perto de 300 títulos editados)e fazendo exposição de pinturas no Brasil e exterior.(www.eliardo.com.br) Atualmente, "O REI" está publicado pela minha própria editora a "Mary e Eliardo França Editora" além de edições em inglês, espanhol, japonês, coreano e mandarim.
Um forte abraço e tudo de bom,
Eliardo (eliardo@terra.com.br)

Galaxy Of Emptiness said...

Obrigada!! Seu livro é maravilhoso! Inesquecível mesmo, marcou minha infância! Uma idéia simples e genial! Parabéns!!
Bjs!
Ana

Mary Eliardo said...

visitem:https:

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