Thursday, June 01, 2006

Kurt & Julieta


Itália. Legiões de turistas entopem as ruas estreitas das cidades de maior porte: Florença, Veneza, Roma. Americanos desajeitados, australianos bronzeados, japoneses sorridentes e nórdicos mega-loiros direcionam câmeras fotográficas para captar cores, formas e emoções irradiadas por edifícios imponentes, pinturas centenárias, gente pelada de mármore. No Vaticano, pessoas se acotovelam para ver o túmulo do Papa-pop João Paulo II. Em Florença, fila de duas horas diante da Galleria Degli Uffizi, que concentra as obras de Leonardo Da Vinci (agora, com o efeito "Código", também pop). Em Roma, centenas de moedinhas voam diariamente das mãos esperançosas dos gringos atraídos pela Fontana di Trevi. Mas o alvoroço maior não é provocado pelo corpo de um líder religioso, por um gênio da Arte e da Ciência ou por esculturas de pedra que traduzem a perfeição. Brancos, branquelos, amarelos, feios, moleques, pais de família....se unem nos jardins da casa dela, mulher que nem sequer existiu. Julieta. No quintal, adolescentes espinhudos se revezam para posar ao lado da mocinha mais romântica da Literatura. Nada respeitosa, a molecada taca a mão no peito da Capuletto de bronze. O momento é registrado pelos flashes. Todo dia, Julieta é molestada sem oferecer resistência. Nenhum Romeo defende sua honra. Mas, apesar dos abusos impostos à donzela, o que atrai a meninada e a velharada à casa de Julieta....é o Amor. Sim, descobri que o Amor movimenta o turismo. Olhos que focalizam enternecidos o suposto balcão do qual a menina que nunca existiu ouvia as promessas de amor do menino que nunca existiu. E dedos de meninos e meninas que existem que rabiscam promessas de amor para meninas e meninos que existem. As paredes do jardim de Julieta estão completamente marcadas por Matheos que dizem amar Luizas, por Jennifers que não vivem sem seus Pauls, Ericks, Daves...Quem visita a casa de Julieta, inevitavelmente deixa no muro, colado com um bom chiclete, seu recado ao ser amado. Mas nem todos. Afogado no meio da batelada de papéis melosos, um chamou a minha atenção. O desenho de uma carinha triste, um garrancho tipicamente masculino e a famosa sentença: "I hate myself and I wanna die. Kurt Cobain. Nirvana forever". Um pedacinho de Desamor no meio do mar de votos dos queridos e amados. Escrito por um menino que existe, citando um menino que um dia existiu, mas que pôs fim à própria existência, grudado na parede da casa de uma menina que nunca existiu, mas que, mesmo assim, pôs fim à própria existência.

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