Tuesday, June 06, 2006

Love



E os meus olhos ficaram líquidos. Piscadelas rápidas para acomodar a fina película aquosa que por uns instantes distorceu minha visão. Uma pressão invisível estreitou o tecido da minha garganta e o ar passou com dificuldade, junto com a dor. E veio uma onda de felicidade calma. Agradeci. A mesma sensação, duas vezes na vida. Dois homens, duas nacionalidades, duas épocas.
Fim do século XV, início do século XVI. Leonardo da Vinci mergulha no estudo da anatomia humana. Na busca cega pelo conhecimento, profana dogmas e disseca corpos. Um pequeno universo de ossos, cavidades, órgãos e um complexo emaranhado de condutores sangüíneos assombram o homem que, além de pintor, já foi chamado de "o primeiro cientista". Cada imagem revelada é convertida, graças ao punho habilidoso do gênio, em esboços, desenhos minuciosos de crânios, feixes de músculos, costelas e vértebras. Da Vinci abriu crânios à procura de almas. E reproduziu o amor. Em 1492, linhas delicadas de tinta sobre o papel estamparam homem e mulher em simbiose. Pueril e belo. Anatomia e Arte.
Fim do século XX, início do século XXI. Chris Cunningham mergulha na construção audiovisual. Na busca cega pelo videoclipe perfeito, modelou fibra de vidro e criou robôs com texturas de porcelana. Um pequeno universo de braços mecânicos, cabeças desmontáveis, moldes de plástico, tinta branca e efeitos digitais cercam o homem que, além de diretor, já foi escultor e pintor. Cada imagem produzida recebe tratamento em terceira dimensão, resultando no total de quatro minutos que condensam o cenário que se funde à canção da islandesa Björk. Cunningham recorreu a efeitos visuais para enriquecer a música. E reproduziu o amor. Em 1999, maquetes e tratamento computadorizado incorporaram dois andróides sem sexo em simbiose. Pueril e belo. Tecnologia e Arte.
Os esboços de Da Vinci estão exposto na Galleria Degli Uffizi, em Florença. São o que a Itália, nação atrasada das cantinas, tavernas e sorveterias, tem de mais avançado. Um presente para os olhos e para o coração.
O videoclipe de "All Full Of Love" está disponível em http://www.youtube.com (basta digitar Björk no campo de busca). É o que a islandesa, cantora cujas músicas costumam aborrecer, tem de mais avançado. A música ganha brilho por mérito das imagens. Um presente para os olhos, para os ouvidos e para o coração.
Da Vinci e Cunningham. Pintores, artistas, amantes da Anatomia separados por quinhentos anos de História. Gênios.

1 comment:

Anonymous said...

Impressionante!
Qdo vi este clipe pela 1ª vez fiquei emocionado, como se algo fora do comum acabasse de ser criado. A comparação com Leonardo é sublime. Parabéns!