Eu não me lembro muito bem de quantos filmes assisti durante o ano, no cinema. Foram poucos. Minha modesta lista de melhores de 2009 reúne as películas (adoro essa palavra, he) mais legais entre aquelas minguadas que vi. "Bastardos Inglórios" é um filmão, mas como já saíram trocentas resenhas sobre ele por aí, nem vou comentar. "The Cat Piano" é um desenho curta-metragem que tá todo no youtube. Eu escrevi um textinho a respeito dele para a revista Movie. Não foi publicado, então vou desová-lo aqui. Meu filme preferido do ano passado tem relação com as imagens aí em cima. Estréia em São Paulo mês que vem. Só vai atrair platéia feminina. E gay.
Adoro comédias inglesas. Sempre saio do cinema me achando linda. Enquanto no cinema americano até simples garçonetes têm a aparência da Megan Fox, nos filmes britânicos todo mundo é feio de doer: mocinhas, mocinhos, vilões, coadjuvantes, figurantes e pets são meio disformes, enrugados, com dentes amarelos e encavalados. Não são gente como a gente. São gente pior que a gente. E na verdade nem há mocinhas e mocinhos propriamente ditos. Os protagonistas costumam ser mais velhos, de meia-idade. Eric Bishop é um carteiro em depressão. Apaixonado pela primeira ex-mulher, criando os filhos folgados e encrencados da segunda, a única alegria do tiozinho (interpretado pelo ex-baixista da banda The Fall, Steve Evets - uma espécie de Seu Madruga sem bigode) é o futebol. Eric é torcedor fanático do Manchester United e seu grande ídolo é o jogador francês no time, Eric Cantona (um inglês idolatrando um francês - já se nota aí o estado crítico de carência do carteiro). Cantona existe de verdade ("Ohhhh...não diga", dirá você, homem que acompanha futebol). Eric Bishop, então, começa a sofrer alucinações: recebe visitas de Eric Cantona (fazendo papel de si próprio) que vira seu confidente e guru, como se fosse um guia de autoajuda ambulante que solta pérolas de sabedoria filosófica de botequim (melhor, de pub). Comédia para meninos, cheia de referências sobre jogos de futiba, insegurança masculina e cultura pop. E, além de divertir, embeleza.
"Moon"
Vi em Londres. Ficção científica filosófica. Com um nome simples, óbvio, marcante e bonito, não? Um astronauta, empregado de uma empresa privada, mora em uma base lunar. Sozinho, sua única companhia é um computador falante (sim, você já viu isso antes), cuja voz é a do ator Kevin Spacey. Após anos no espaço e prestes a concluir o contrato de pesquisa, o rapaz está ansioso para voltar à Terra, rever mulher e conhecer a filha que nasceu durante o período de viagem. Só que....
Trama intrigante e bem bolada. E econômica, pois quase não há efeitos especiais - a história corre quase toda dentro da base. Agora, o detalhe mais bacana e emocionante: o diretor é o jovem Duncan Jones. Duncan Jones tem pai famoso. David Bowie. E David Bowie é, na verdade,...Ziggy Stardust. Então, "Moon" não é só mais um filme de ficção científica. É a primeira ficção científica filmada pelo filho de um alienígena! Life on Moon!
"The Cat Piano"
1996. Cuidada por álcool e tabaco, a voz grave do australiano Nick Cave cantava desespero e angústia em músicas que abordavam amor, culpa, fracasso, morte. Enquanto isso, no país natal de Cave, três moleques de quatorze anos se uniam graças a uma paixão comum: desenhos animados. Da amizade nasceu “The People’s Republic of Animation” (PRA), pequeno estúdio de animação. A garotada cresceu, veio o novo século. E o co-fundador Eddie White teve a idéia: escreveu “The Cat Piano”, poema mesclando o romance e boemia da poesia beatnik com o mistério e terror típicos dos contos de Edgard Allan Poe. O estúdio então arregaçou as mangas para ilustrar e produzir uma pequena jóia de oito minutos, suavemente pintada de azul, preto, detalhes em branco: em uma cidade dominada por felinos cantores, um escritor apaixonado tenta salvar sua musa, presa em um instrumento musical de tortura - o piano de gatos. Eddie convidou, Nick Cave disse sim: é ele quem declama o poema, narrando a história na primeira pessoa. Ou melhor, no primeiro gato (o protagonista foi desenhado à imagem e semelhança do magro e soturno cantor). O PRA disponibilizou “The Cat Piano” no youtube, a ideia é que todos vejam. Em 2009, o curta faturou prêmios bacanas na Austrália. Eddie White e seus dois amigos têm motivos para comemorar. E agradecer. Não apenas a Nick Cave, mas também a três adolescentes de quatorze anos que, nos meados dos anos 90, planejaram e rascunharam um projeto de vida, transformando um sonho em realidade colorida.
1996. Cuidada por álcool e tabaco, a voz grave do australiano Nick Cave cantava desespero e angústia em músicas que abordavam amor, culpa, fracasso, morte. Enquanto isso, no país natal de Cave, três moleques de quatorze anos se uniam graças a uma paixão comum: desenhos animados. Da amizade nasceu “The People’s Republic of Animation” (PRA), pequeno estúdio de animação. A garotada cresceu, veio o novo século. E o co-fundador Eddie White teve a idéia: escreveu “The Cat Piano”, poema mesclando o romance e boemia da poesia beatnik com o mistério e terror típicos dos contos de Edgard Allan Poe. O estúdio então arregaçou as mangas para ilustrar e produzir uma pequena jóia de oito minutos, suavemente pintada de azul, preto, detalhes em branco: em uma cidade dominada por felinos cantores, um escritor apaixonado tenta salvar sua musa, presa em um instrumento musical de tortura - o piano de gatos. Eddie convidou, Nick Cave disse sim: é ele quem declama o poema, narrando a história na primeira pessoa. Ou melhor, no primeiro gato (o protagonista foi desenhado à imagem e semelhança do magro e soturno cantor). O PRA disponibilizou “The Cat Piano” no youtube, a ideia é que todos vejam. Em 2009, o curta faturou prêmios bacanas na Austrália. Eddie White e seus dois amigos têm motivos para comemorar. E agradecer. Não apenas a Nick Cave, mas também a três adolescentes de quatorze anos que, nos meados dos anos 90, planejaram e rascunharam um projeto de vida, transformando um sonho em realidade colorida.
Beatles, Rolling Stones, The Kinks. A minissaia de Mary Quant, o carrinho Mini-Cooper. A Inglaterra faturando a Copa de 66. Londres foi o centro do Universo durante a década de 60. Os efeitos negros do pós-guerra haviam ficado para trás, a economia solidificou-se. Explosão cultural, euforia, a cidade tornou-se uma referência em música, artes, cinema. E moda. Os anos dourados de Londres foram batizados de Swinging London, movimento que revolucionou a cultura de um país e atraiu a atenção de jovens de todo o planeta. Incluindo a de duas garotas. Uma delas, londrina, jornalista por influência do pai, especializou-se em moda. A outra, galesa, adotou Londres como lar, trabalhou como modelo até sofrer um acidente de carro. Com o rosto marcado, deixou as passarelas e se tornou editora de uma revista de moda.
"The September Issue" é o documentário real que mostra um mês de trabalho na redação da revista Vogue americana, e o esforço da equipe para elaborar e fechar a edição de setembro. Na moda, setembro é janeiro, mês no qual os estilistas apresentam as coleções que serão vendidas nos próximos onze meses. Só que o filme não trata a moda como seu tema principal. "The September Issue" é sobre tensão, conflitos, bajulação no ambiente de trabalho. Sobre influência e poder. Sobre arte. Com pitadas de rock. E sobre solidão.
Anna Wintour é o cérebro da Vogue americana. Na década de 80, tentando um emprego na revista, foi entrevistada pela então editora-chefe. Que quis saber qual cargo Anna teria interesse em ocupar na redação. "O seu", disparou a londrina. E ocupou. A mulher foi sucedida por Anna, que reformulou a publicação, aumentou as vendas e levou a Vogue ao topo. Se Anna Wintour apóia um estilista, o sujeito vende horrores. Os que ela critica caem em desgraça, relegados ao esquecimento. No filme, um estilista iniciante resume: "Anna é a Madonna da moda".
Grace Coddington é o coração da Vogue. Amável e engraçada, contrasta com a secura e frieza de Anna Wintour. No filme, quando estilistas e funcionários da revista gaguejam e tremem diante dos olhares fuzilantes de uma Anna irritada (e são vários os que a câmera capta ao longo do documentário), é Grace que consola e aconselha quem tomou um coice da editora-chefe (sempre tirando um sarrinho da chefona). E se Anna Wintour é Madonna, a galesa Grace é o Tim Burton da moda. Enquanto Anna usa roupas impecáveis, Grace é descabelada (como Tim Burton), sempre vestindo preto (como Tim Burton), o mesmo sapato todos os dias, enrugada ao extremo, apaixonada por arte. E Grace é uma verdadeira artista. É ela quem idealiza temas fantásticos para ensaios de moda, selecionando fotógrafos, pesquisando e combinando locações, cenários, mobília, iluminação e, obviamente, roupas que remetem a séculos ou décadas passadas, a pinturas renascentistas ou impressionistas, a fotografias antigas e, sua maior diversão, a ilustrações de contos de fadas. Tim Burton, adaptando "Alice no País das Maravilhas" para o cinema, deveria se inspirar na Alice e no mundo maravilhoso que Grace criou para as páginas da Vogue. Dá vontade de entrar nas fotos. Grace transformou a atriz Drew Barrymore em princesa da Bela e a Fera. Vestiu Keira Knightley como a Dorothy de Judy Garland e a colocou dentro do mundo encantado do mágico de Oz. Escalou Lady Gaga para ser a bruxa de João e Maria (foto acima e aqui). E se superou ao contar a história de Romeu e Julieta através de fotografias que, de tão delicadas, detalhadas e magnificamente iluminadas, parecem pinturas (foto acima e aqui). Nesse mês de janeiro, o mote do editorial de moda da Vogue é o rock. Anna e Grace, filhas do Swinging London e herdeiras da beatlemania, puseram a molecada do The Horrors, Vampire Weekend, MGMT, Beirut e Mika posando com uma modelo (não por acaso, desde dezembro rola em Londres uma exposição de fotos dos Rolling Stones, Kinks e outras bandas do Swinging London dando as caras em fotos de moda feminina dos anos 60).
O documentário procura revelar a relação espinhosa entre Anna e Grace. Grace se aborrece sempre que Anna interfere em seu trabalho, geralmente se recusando a publicar fotos lindíssimas sem maiores explicações. Grace sabe que é essencial para a revista, então, é a única entrevistada no filme que se atreve a reclamar da chefe. O filme, aliás, não foi encomendado por Anna Wintour, e sim pela editora que publica a Vogue. De início, tanto Anna como Grace não gostaram da ideia de trabalhar testemunhadas e seguidas por um cameraman. E Anna não finge. Não faz esforço para ser agradável na redação que comanda só para não ficar mal na fita. Também não esconde desapontamento e mágoa ao confessar que seus irmãos, jornalistas considerados "sérios", não valorizam e nem se importam com seu trabalho (e muito menos a filha adolescente, que deixa bem claro que prefere ir para a faculdade de direito a trabalhar com a mãe). E, da mesma forma que Grace, o diretor RJ Cutler não se intimida em cutucar Anna Wintour: ao filmá-la durante um desfile, sentada na primeira fila, óculos escuros, braços cruzados, expressão de tédio e rígida como uma estátua, a música escolhida como pano de fundo é da banda Ladytron. "Everything you touch, you don't feel", canta a vocalista Helen Marnie enquanto a câmera focaliza uma Anna cercada de pessoas (e por uma aura de gelo, distância e solidão). Mas com certeza Anna Wintour não se importa. Afinal, não perdeu a pose nem quando uma ex-assistente escreveu "O Diabo Veste Prada", um (ótimo) livro de ficção que narra a história de uma editora de moda carrasca e insuportável. Temendo processo, a autora negou que a tal editora de mentira fosse, na verdade, Anna (quando qualquer um sabia que era). E Anna Wintour não passou recibo: compareceu à pré-estréia de gala do filme inspirado no livro, cumprimentou a atriz Meryl Streep (que foi indicada ao Oscar por sua interpretação da diaba), foi fotografada sorrindo. E vestindo Prada. Mais rock'n roll, impossível. Madonna não faria melhor.
4 comments:
Vi tantos filmes este ano, mas não vi nenhum dos três. Ouvi falar muito bem de "Moon" assim como "A Serious Man", que estão na minha lista para serem vistos.
De bate-pronto que me vem à cabeça são os últimos que vi, ambos espetaculares, Hanami (acho que não é de 2009, mas só vi esse ano) e Avatar. Além dos não tão recentes "Distrito 9", "Katyn", "Gran Torino" e "A Onda".
Um filme meio odiado que eu adorei também foi Anticristo. O filme, como de praxe, foi julgado pelas razões erradas.
Seria legal fazer uma lista das maiores bombas que você viu este ano, o que acha? Há uma lista é interessante.
Então...é que eu não vi nenhum filme muito ruim. Pelo menos não tão ruim a ponto de eu me lembrar, he. Cinema é um troço caro, então só vou pra ver filme bem falado, ahahaha. Costuma funcionar e não tenho grandes reclamações do que vi ano passado. Eu gostei muito do Lutador, daquele documentário com a entrevista do Kurt Cobain, de Simplesmente Feliz...
The Cat Piano é muito bom! Tirando esse, não vi nenhum ainda.
Fiquei surpresa quando descobri que esse À Prucura de Eric era do Ken Loach. Ele deu a descarga naquele rótulo de "diretor politicamente engajado", bom pra ele.
E concordo, a Anna Wintour é muito rock'n'roll. Não acredito que eu nem notei o filme entrando e saindo dos cinemas...
À Procura de Eric tá passando ainda, no Belas Artes, acho...ow, vale a pena, viu!
The September Issue não passou aqui ainda, eu vi em Londres. Eu vi num site aí que a estréia em SP é 26 de fevereiro. De qualquer forma, eu tenho o DVD e te empresto! (já vi duas vezes. Eu nunca vejo um filme mais de uma vez..)
Bjs!
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