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"I hurt myself today/To see if I still feel/I focus on the pain/The only thing that's real/The needle tears a hole/The old familiar sting/Try to kill it all away/But I remember everything/What have I become?/My sweetest friend/Everyone I know/Goes away in the end/You could have it all/My empire of dirt/I will let you down/I will make you hurt/I wear this crown of shit/Upon my liar's chair/Full of broken thoughts/I cannot repair/Beneath the stains of time/The feelings disappear/You are someone else/I am still right here/What have I become?/My sweetest friend/Everyone I know/Goes away in the end/You could have it all/My empire of dirt/I will let you down/I will make you hurt/If I could start again/A million miles away/I would keep myself/I would find a way". ("Hurt", Nine Inch Nails).
Em 1842, nos Estados Unidos, Crawford Long mostrou ao mundo, pela primeira vez, como evitar a dor. Long, médico, percebeu que o éter sulfúrico poderia ser usado para abolir a consciência e o sofrimento de pacientes submetidos a cirurgias. Possível, então, ferir e não impingir dor. Graças ao pioneiro doutor, sem que doentes sentissem absolutamente nada, partes do corpo humano passaram a ser abertas, cortadas ou amputadas. E espetadas. Era a descoberta definitiva da anestesia.
Mas há gente que prefere a dor. Gente que nega qualquer recurso que traga alívio ou alento. Porque a sensação da dor é a última prova de que ainda existe vida.
Amedeo Modigliani nasceu em Livorno, na Itália, em 1884. Estudou arte clássica e renascentista em sua cidade natal e mudou-se para Paris, querendo ser escultor. Suas obras eram únicas: figuras humanas marcadas por traços sensuais e alongados. Esculturas que eram a perfeita fusão das influências de artistas que conheceu (como Picasso e Cézanne), de sua própria formação (era grande admirador da arte grega e africana) e de uma vida de excessos. Boêmio, Modigliani bebia na mesma proporção em que se drogava. O dinheiro era insuficiente para sustentar a dependência química e financiar seu ofício. Não conseguindo mais custear material e instrumentos para esculpir, Modigliani começou a pintar. Veio a tuberculose. Mas o artista não procurou a cura. Preferiu o álcool e o haxixe como anestésicos e catalisadores da dor que crescia. E pintou. Criou retratos impressionantes de mulheres com olhos amendoados e vazios, lábios delicados, pescoços delgados como cisnes. Quadros lindos e tristes que, terminados, eram dados em troca de copos de vinho. Aos 36 anos, sucumbiu finalmente à dor e morreu no hospital.
Anos 60, Estados Unidos. A carreira do cantor country Johnny Cash começa a decolar. Cash, então, vicia-se em anfetaminas e barbitúricos.
Apaixonado por June Carter, Cash casou-se, abraçou a religião após uma tentativa fracassada de suicídio, e conseguiu atravessar anos sem consumir drogas. Mas, na década de 80, o cantor sofreu um ferimento no estômago. Buscou nas drogas alívio para as dores. Mais uma vez viciado, lutou para recuperar-se. Quando teve que se submeter a uma cirurgia cardíaca preventiva, Johnny Cash, exausto, escolheu corajosamente a dor: temendo nova dependência durante o pós-opertório, recusou-se a tomar qualquer tipo de remédio. Era o início do fim da sua parceria com as drogas.
Curiosamente, Johnny Cash alcançou a redenção completa graças a outro músico. A um artista que transformou a própria dor, frustração e revolta em rock metálico que explodiu a partir da década de 90. Quando criança, o americano Michael Trent Reznor foi considerado gênio por sua professora de piano clássico. Na faculdade, estudou Ciência da Computação. Mas não concluiu os estudos. Escolheu a música, o rock. Conhecendo programação de computadores e naturalmente talentoso para melodias, Trent Reznor compôs letras, criou arranjos e produziu suas próprias músicas. Era o início do "Nine Inch Nails", banda de um homem só. Reznor acompanhado por músicos que, até hoje, se revezam nas gravações de discos e apresentações ao vivo.
O Nine Inch Nails popularizou o gênero "industrial": rock agressivo impulsionado por intervenções eletrônicas.
Mas, da mesma forma que ocorrera com Johnny Cash, o reconhecimento e a pressão pesaram sobre os ombros de Trent Reznor. Vieram a depressão, as tentativas de suicídio, o álcool. E as drogas. Se a desesperança de Modigliani gerou telas incríveis, da angústia de Reznor floresceu "Hurt", em 1994. A canção, que está no CD "The Downward Spiral", é um lamento. Voz cansada, arrastada (e valorizada por piano e bateria que sabem se manifestar nos instantes precisos) vergonhosamente admitindo que a dor provocada por uma agulha é a única coisa real para quem afundou na solidão (
http://www.youtube.com/watch?v=tgSWRicWIy4).
"Hurt" tornou-se, junto com "Closer", a música mais pungente do Nine Inch Nails. Um produtor musical, conhecido de Trent Reznor, sugeriu ao velhinho Johnny Cash - representante de um estilo musical diametralmente oposto do rock industrial - que gravasse uma versão de "Hurt". Cash ouviu a obra de Reznor e reconheceu que se tratava de um verdadeiro passeio ao inferno. Feito por um jovem que, como ele, também já havia estado lá. Para Cash (e para muitos, inclusive para mim), "Hurt" é a mais bela música existente sobre dor, vício, drogas.
Johnny Cash elaborou sua versão pessoal para "Hurt". Vocal grave, piano, violão. O premiado videoclip lembra uma confissão religiosa. Aos setenta anos, Cash usou "Hurt" como último anestésico para recordar o drama e o sofrimento de sua relação com os tóxicos. Quatro meses após o término das filmagens, morreu. O vídeo ficou:
http://www.youtube.com/watch?v=Na-lIw8kxEU
Modigliani, Johnny Cash e Trent Reznor. Gente para quem a descoberta de Crawford Long....de nada serviu.