Tuesday, August 01, 2006

Thurston Moore e Meninos



"I ripped your heart out from your chest. Replaced it with a grenade blast. Incinerate. The firefighters hose me down. I don´t care, I´ll burn out anyhow. It´s four alarm-girl, nothing to see. Hear the sirens come for me. You doused my soul with gasoline. You flicked a match into my brain. Incinerate. The firefighters are so nice. I remember you so cold as ice. The flames are licking at your feet. The sirens come to put me out of misery. You wave your torch into my eyes. Flamethrower lover burning mind. Incinerate" ("Incinerate", Sonic Youth).
Luiz Henrique era meu amigo de faculdade. Apaixonado pela Giovana, que também estudou comigo. Certas férias, ela viajou para a Europa. Ele, perdido, desceu até Santos, cidade dela. Levou um amigo. Só para tirar fotos, posando de braços abertos, na frente do prédio onde ela morava. E para mandá-las para a França. Sob meus protestos, que o chamei de ridículo. Mas ele queria que a Giovana risse. Riu mesmo. Junto com o novo namorado brasileiro, que ela arranjou por lá. Luiz ficou mal. Eu não perdi a oportunidade de cutucá-lo: "eu te disse".
Lembrei dessa história ao ouvir, pela centésima rotação, "Incinerate", música que está no CD mais recente do Sonic Youth. É sensacional. Uma delícia de escutar. Principal motivo: é uma dessas acertadas e genuínas canções que conseguem exprimir a tímida e desajeitada angústia adolescente. Mas aflição de menino. De moleque que convida a vizinha de carteira escolar para jogar videogame, porque tem medo de ouvir "não" caso ouse sugerir um cinema...
E o mais legal: "Incinerate" é obra de um...tiozinho! Thurston Moore, que faz 48 (!) anos no próximo dia 25. Ruivo, sardentinho, franja caindo sobre os olhos....feições de calouro de universidade. Se rolasse uma eleição para a escolha do "moleque" símbolo do recém-denominado movimento "grup" (isto é, formado pelos trintões e quarentões que preservam hábitos juvenis. Tipo amar mini hot dog e Fanta Uva), meu voto iria para ele. Com menção honrosa. Só pela letra mega bacana de "Incinerate".
"Incinerate" foi um tapa na minha cara. Mas não na minha cara atual. Na cara da menina insensível que - confesso - inúmeras vezes fui. Por exemplo, aos seis anos. Quando infernizava a vida do Mathias, no pré-primário. Mathias nasceu no mesmo dia e na mesma maternidade (!) que eu. Nossas mães queriam nos unir. E eu, por birra, bolava planos malignos. Escondia os lápis de cor dele, torcia para que o coitado despencasse do escorregador. Enquanto isso, ele, quietinho, guardava a lancheira, no armário da sala de aula, grudada na minha. Para se sentir querido.
Depois, aos dez anos, terminei o "namoro" com o Robin (ele era filho de uma inglesa, daí o nome). E fiz questão de falar o motivo: ele só sabia conversar sobre o seriado "A Super Máquina". Ele, magoado, disse que eu iria me arrepender. Não me arrependi. Então ele parou de falar comigo.
Já na faculdade, André Nirvana. Na época, meu segundo melhor amigo. Clone perfeito de Kurt Cobain. Na aparência e nas atitudes...pouco saudáveis. Toda festa, o André chapava. Misturava cerveja, Filosofia do Direito, discurso sobre a necessidade de eu conhecer a discografia completa dos Sex Pistols....e desmaiava no meu colo, todo babado. Eu ficava puta. Demorou pra eu me tocar de que ele sempre escolhia aquela posição - desacordado e abraçado na minha cintura - para impedir que eu fosse embora.
Se fosse possível eu ter ouvido, e compreendido, "Incinerate" a partir dos seis anos....teria feito tudo diferente. Teria feito esforço para tratar o Mathias com simpatia, e oferecer um pedaço do meu chocolate na hora do recreio. Teria assistido a um episódio da "Super Máquina", e comentado com o Robin que realmente o carro do mocinho era indestrutível. Teria dado uma bronca na Giovana, calado minha boca diante do sofrimento do Luiz. Não teria largado o André, dormindo em um banco duro do pátio da SanFran, para ir atrás de um cabeludo fã do Whitesnake...
Agora já foi. Não dá mais tempo para me desculpar. Mas, para compensar, nunca vou esquecer de "Incinerate". E se, algum dia, tiver uma filhinha, explicar pra ela que um ruivo desengonçado chamado Thurston Moore pode ensiná-la a respeitar os sentimentos dos meninos...

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