Livros que fizeram diferença na minha vidinha, ano passado.
"I See a Darkness", Reinhard Kleist
Biografia em quadrinhos de Johnny Cash publicada meses atrás, inclusive por aqui. Inteira em preto-e-branco. Soturna, mas impactante: os desenhos em perspectiva parecem saltar do papel. Reinhard Kleist, quadrinista alemão e grafiteiro em Berlim, conta a história do cantor americano de uma forma mais abrangente do que aquela retratada no filme "Johnny & June". O filme prioriza o romance com June Carter, os quadrinhos valorizam cada momento árduo e sofrido da trajetória de Johnny: a infância pobre como lavrador, a perda do irmão querido, o modesto sucesso que levou ao vício em anfetamina, as explosões de agressividade, o lendário show para uma plateia de presidiários. E, no finzinho, a velhice melancólica e doente. Johnny deitado na cama, se contorcendo em crise de abstinência, é o desenho mais tocante e inesquecível de toda a biografia. O livro é uma homenagem bonita, emocionante e criativa a Johnny Cash, tão genial, tão subestimado.
"After the Wall", Jana Hensel
Você se lembra do lado pop da sua infância? Dos desenhos animados Hanna-Barbera, do seriado Chip's? Das balas Paquera? Quando o Muro de Berlim foi derrubado, Jana Hensel era um ano mais nova do que eu. Treze anos. Entrando na adolescência, a alemãzinha oriental viu seu passado ser soterrado junto com os escombros do cimento e dos tijolos arrebentados. Crescida, já jornalista, Jana escreveu uma pequena biografia revelando aspectos do cotidiano e da cultura pop em um país comunista. Os programas estatais de TV, os produtos limitados que eram vendidos nos mercados, as revistas controladas pelo governo, o único tipo de tênis disponível nas lojas, a tentativa dos jovens europeus do leste em imitar os do oeste, com roupas e cabelos inspirados nas bandas de rock Depeche Mode e The Cure. A queda do Muro significou o fim de um regime autoritário. E também uma mudança brusca e imediata na vida de adolescentes e crianças que cresceram impedidos de tomar contato com a cultura de massa ocidental - mas que, da noite para o dia, se viram invadidos por ela. Quando, depois da unificação alemã, Jana vai morar na França em uma república de estudantes estrangeiros, sua ignorância e desconhecimento sobre a existência de ícones pop como Smurfs, Asterix, a trilogia Senhor dos Anéis, a exclui das conversas animadas. No fim do livro, um desabafo: na década de 90, jovens alemães orientais se consideravam mais próximos de húngaros, tchecos e poloneses do que dos estranhos e esnobes alemães ocidentais.
"A Rainha Margot", Alexandre Dumas
Eu sempre achei que Joel Surnow é Alexandre Dumas reencarnado. O americano Joel Surnow é o criador e produtor do seriado "24" (e também de "La Femme Nikita", minha série preferida de todos os tempos. Só eu via). Joel Surnow sabe misturar como ninguém intrigas envolvendo chefes de Estado, traições, vingança, tramóias, conspirações, tortura, assassinatos. E o melhor: consegue bolar reviravoltas inesperadas em enredos frenéticos, que prendem a atenção da gente até o próximo capítulo. Tudo isso, Alexandre Dumas fez. Só que no século XIX. Ao invés de presidentes americanos, os poderosos dos romances de Dumas são os monarcas franceses. No lugar do capanga guarda-costas Jack Bauer, os capangas guarda-costas mosqueteiros do rei. Da mesma forma que Surnow, Dumas usa fatos históricos como pano de fundo em seus livros. Se em "24", americanos combatem terroristas, no sensacional "A Rainha Margot" a luta é entre católicos e protestantes. Em 1572, Margarida de Valois se casa com o rei Henrique de Navarra. Ela católica, ele protestante. O casamento é uma tentativa de apaziguar a hostilidade entre os dois grupos religiosos. Só que a sogra do rei, a perversa Catarina de Médicis, quer se livrar do genro, secretamente...o auge da tensão rola no dia 24 de agosto daquele ano, quando milhares de protestantes são massacrados nas ruas e casinhas de Paris. Foi a terrível Noite de São Bartolomeu, que teve um objetivo: desqualificar, enfraquecer e destronar o marido de Margot. A ordem para a matança partiu do palácio do Louvre. Mesclando acontecimentos reais com fatos fictícios, ágeis e bem amarrados, Alexandre Dumas escreveu um livrão. Nos dois sentidos.
"Things The Grandchildren Should Know", Mark Oliver Everett
O americano Mark Oliver Everett não é apenas Eels, a banda rock-folk de um homem só. Mark Oliver Everett é também o Homem Mais Desgraçado do Mundo. Desgraçado não no sentido de sacana, mas de cheio de desgraças, mesmo. Seu pai sofreu infarto e morreu. Um avião caiu no meio da rua onde morava (!), e Mark se viu cercado por corpos. A irmã drogada foi estuprada - não por um homem, mas por uma gangue deles - e se matou. Antes disso, o próprio Mark quase foi assassinado pelo namorado dela. Mark foi seguidamente largado por todas as namoradas, perdeu a mãe, vítima de câncer de pulmão. Sua melhor amiga também morreu. Morreu o roadie da banda. Morreram os primos no 11 De Setembro, dentro de um dos aviões sequestrados. Até a vizinha do sujeito não foi poupada: morreu também. Mas o que mais impressiona no livro autobiográfico desse verdadeiro pára-raio de infortúnios não é a sucessão de zicas - e sim a capacidade de Mark em imprimir um tom otimista, e de certa forma bem-humorado, à sua história lazarenta, sem um pingo de autopiedade, zero de amargura. Uma história triste, que teve o grande mérito de resultar em um excelente livro. Não por causa do teor trágico e comovente de seus vários episódios dolorosos, mas sim pela forma suave através da qual Eels conseguiu redigí-los. Isso é saber escrever. Mark Oliver Everett é, hoje, um homem sozinho. Vive na companhia de um cachorro. Consolo? Umas palavrinhas de Schopenhauer talvez ajudem. "A solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais".
"Juliet, Naked", Nick Hornby
Um inglês bocó é fanático por um cantor e compositor americano meio desconhecido, que encerrou a carreira há anos e sumiu do mapa. O bocó vive junto com uma coitada, uma moça resignada que atura a obsessão do marido sem reclamar. Graças ao lançamento de um novo disco pelo cantor - uma compilação de músicas toscas e rascunhadas - os fãs se agitam e discutem o grande acontecimento através de um site na internet. É quando o americano entra em contato com a mulher do bocó.
Lendo a história, eu vesti a carapuça umas duzentas vezes. Eu queria ser a mocinha, mas meu passado, presente e futuro denunciam: eu sou o bocó.
Comédia bacana, divertida! Livro que eu daria de presente para qualquer um, tranquilamente. Menos para Mark Lanegan.