Itália, início do século XVII. Foragido da justiça e na mira de seus inimigos pessoais, nobres com sede de vingança. Procurado por homens especialmente designados pelo Papa com uma única missão: caçá-lo nas ruas imundas de Roma. Todas as noites, o sono agitado de Michelangelo Merisi - conhecido por Caravaggio – era vigiado. Por uma faca. O pintor, nascido em 1571 na cidade de Milão, não ousava adormecer desarmado.
Nova Iorque, 1978. No quarto número 100 do Hotel Chelsea, dividindo a mesma cama com a namorada Nancy Spungen, Sid Vicious – baixista do Sex Pistols – dormia rodeado por seringas de heroína. Um hábito. Um vício.
Caravaggio foi um arruaceiro. Rebelde, temperamental, impaciente, beberrão autodestrutivo. Sua presença em tavernas, bordéis, becos e feiras era sinônimo de confusão, de duelos, derramamento de sangue. Sua vida durou apenas trinta e nove anos. Trinta e nove anos de problemas com a lei: Caravaggio foi processado por agredir um garçom, por ofender e assediar mulheres. Por atirar pedras na polícia e portar espada pelas ruas. Foi preso diversas vezes. Feriu um carcereiro e escapou de uma fortaleza, prisão de segurança máxima. E matou um homem em Roma, por causa de aposta firmada durante um jogo de tênis.
Mas o boêmio e competitivo pintor era movido não somente por álcool e sangue fervendo nas veias. Havia um ideal. Caravaggio desejava provar que a Pintura poderia ser acessível, popular, incômoda, provocativa, instigante....e continuar lucrativa. E ainda ser reconhecida e respeitada como Arte.
Como Caravaggio, Sid Vicious foi um desordeiro. Também rebelde, temperamental. Viciado autodestrutivo, acumulou um número considerável de ocorrências policiais: usou uma corrente de moto para surrar um jornalista da revista inglesa New Music Express. Em um clube noturno, ameaçou Bob Harris, respeitado DJ da BBC. Agrediu o irmão da cantora Patti Smith. Vivia fora de controle devido aos efeitos da heroína. E foi preso, suspeito de ter assassinado Nancy no quarto do hotel. A moça foi esfaqueada na barriga e sangrou até morrer. Solto sob fiança, o baixista tentou o suicídio, foi socorrido e salvo. Em fevereiro de 1979, Sid morreu da maneira que Caravaggio temia morrer: dormindo. A combinação entre drogas e sono foi letal para o rapaz de vinte e um anos.
Se na Itália do século XVII Caravaggio foi o pioneiro de um novo movimento artístico - o Barroco - na Londres de 1975 Sid Vicious foi um dos representantes de um novo tipo de rock, que nasceu nos Estados Unidos. O punk. Sid aprendeu a tocar baixo sozinho, ouvindo Ramones, banda americana precursora do punk.
Caravaggio foi criticado por seus contemporâneos. Suas telas não reproduziam a Beleza, e sim o Feio, o Profano, o Mundano. Caravaggio não buscava inspiração nas feições dos quadros e esculturas clássicas para retratar santos, mártires e devotos. O pintor convocava ladrões, músicos de rua, ciganos, pequenos golpistas, prostitutas e os vestia como personagens bíblicos, madonas, cristãos fiéis ou pecadores arrependidos. Pintava os rostos contorcidos, os pés sujos, as mãos calejadas, os corpos castigados e a postura derrotada dos marginalizados e excluídos, transformando criminosos em protagonistas de passagens do Novo Testamento, putas em virgens, órfãos delinquentes em anjos. Na pintura de Caravaggio, os papéis principais eram sempre reservados aos desafortunados. Como nas letras das canções de Lou Reed. Pelas mãos do italiano, o submundo preto-e-branco ganhava cor, passava a adornar as paredes de burgueses endinheirados e os tetos das capelas.
O punk também foi criticado do mesmo modo que Caravaggio: repreendido por pecar pela falta de técnica, de decoro. O punk surgiu áspero e direto, igual a uma obra de Caravaggio, que pintava sem rascunhos, sem ensaios. O punk eliminou os excessos do rock progressivo dos anos 70, reduzindo melodias a poucos acordes, cortando solos de guitarra complicados e intermináveis, produzindo um som rápido, cru, sem floreios, com letras de cunho político. Chocou puritanos, moralistas, desagradou aos fãs do rock sinfônico. Caravaggio foi acusado de destruir a Pintura. O punk, de destruir o Rock.
Caravaggio também cortou excessos: em seus cenários, o fundo era constantemente raso, às vezes totalmente escuro. O foco de luz recaía sobre as expressões faciais dos ídolos, mulheres e homens pintados em estado de surpresa ou choque, de pesar ou sofrimento. As telas de Caravaggio se assemelham a fotografias de shows de rock: músicos e seus instrumentos destacados pela luz do palco contra um fundo negro.
Caravaggio é um artista moderno que foi obrigado a esperar que o mundo se tornasse tão moderno quanto ele. Foram necessários anos para que se aceitasse a ideia de que a Arte poderia se manifestar desacompanhada da beleza convencional, de que poderia ser estranha, inquietante, mas sem perder a honestidade. Visualmente, Caravaggio influenciou até mesmo o REM, banda americana dos anos 90. O REM explodiu graças ao hit “Losing My Religion”. O sucesso da música foi muito impulsionado pelo vídeo idealizado e filmado pelo diretor Tarsem Singh. O contraste entre claro e escuro, atores e atrizes encenando as telas “O Sepultamento de Cristo” e “A dúvida de São Tomás” embelezam a canção entoada por Michael Stipe. Em 1991, o vídeo concorreu a nove prêmios no MTV Music Awards. Ganhou seis, incluindo o de melhor vídeo do ano.
Caravaggio queria mostrar ao observador de suas obras que o angelical e o diabólico, o sexo, a violência e Deus poderiam facilmente, e até mesmo placidamente, coexistir na mesma cena dramática, no mesmo cavalete, na mesma tela. O compositor e cantor australiano Nick Cave incorporou a temática de Caravaggio em suas canções: letras que fundem o sagrado com o profano, o egoísmo criminoso com a culpa, a negação e a reconciliação com a fé. Cave se baseou na história de Lázaro para batizar seu novo álbum, lançado o ano passado - “Dig, Lazarus, Dig!!!” – e inspirar suas músicas. Segundo a Bíblia, Lázaro era um mendigo que, morto, foi ressuscitado por Jesus. Caravaggio montou essa cena, pintou o milagre. E escandalizou seus críticos e inimigos: usou um cadáver de verdade como modelo para Lázaro.
Contestador, visionário, depravado, direto. Brutal.
Caravaggio é puro rock’n roll.
Nova Iorque, 1978. No quarto número 100 do Hotel Chelsea, dividindo a mesma cama com a namorada Nancy Spungen, Sid Vicious – baixista do Sex Pistols – dormia rodeado por seringas de heroína. Um hábito. Um vício.
Caravaggio foi um arruaceiro. Rebelde, temperamental, impaciente, beberrão autodestrutivo. Sua presença em tavernas, bordéis, becos e feiras era sinônimo de confusão, de duelos, derramamento de sangue. Sua vida durou apenas trinta e nove anos. Trinta e nove anos de problemas com a lei: Caravaggio foi processado por agredir um garçom, por ofender e assediar mulheres. Por atirar pedras na polícia e portar espada pelas ruas. Foi preso diversas vezes. Feriu um carcereiro e escapou de uma fortaleza, prisão de segurança máxima. E matou um homem em Roma, por causa de aposta firmada durante um jogo de tênis.
Mas o boêmio e competitivo pintor era movido não somente por álcool e sangue fervendo nas veias. Havia um ideal. Caravaggio desejava provar que a Pintura poderia ser acessível, popular, incômoda, provocativa, instigante....e continuar lucrativa. E ainda ser reconhecida e respeitada como Arte.
Como Caravaggio, Sid Vicious foi um desordeiro. Também rebelde, temperamental. Viciado autodestrutivo, acumulou um número considerável de ocorrências policiais: usou uma corrente de moto para surrar um jornalista da revista inglesa New Music Express. Em um clube noturno, ameaçou Bob Harris, respeitado DJ da BBC. Agrediu o irmão da cantora Patti Smith. Vivia fora de controle devido aos efeitos da heroína. E foi preso, suspeito de ter assassinado Nancy no quarto do hotel. A moça foi esfaqueada na barriga e sangrou até morrer. Solto sob fiança, o baixista tentou o suicídio, foi socorrido e salvo. Em fevereiro de 1979, Sid morreu da maneira que Caravaggio temia morrer: dormindo. A combinação entre drogas e sono foi letal para o rapaz de vinte e um anos.
Se na Itália do século XVII Caravaggio foi o pioneiro de um novo movimento artístico - o Barroco - na Londres de 1975 Sid Vicious foi um dos representantes de um novo tipo de rock, que nasceu nos Estados Unidos. O punk. Sid aprendeu a tocar baixo sozinho, ouvindo Ramones, banda americana precursora do punk.
Caravaggio foi criticado por seus contemporâneos. Suas telas não reproduziam a Beleza, e sim o Feio, o Profano, o Mundano. Caravaggio não buscava inspiração nas feições dos quadros e esculturas clássicas para retratar santos, mártires e devotos. O pintor convocava ladrões, músicos de rua, ciganos, pequenos golpistas, prostitutas e os vestia como personagens bíblicos, madonas, cristãos fiéis ou pecadores arrependidos. Pintava os rostos contorcidos, os pés sujos, as mãos calejadas, os corpos castigados e a postura derrotada dos marginalizados e excluídos, transformando criminosos em protagonistas de passagens do Novo Testamento, putas em virgens, órfãos delinquentes em anjos. Na pintura de Caravaggio, os papéis principais eram sempre reservados aos desafortunados. Como nas letras das canções de Lou Reed. Pelas mãos do italiano, o submundo preto-e-branco ganhava cor, passava a adornar as paredes de burgueses endinheirados e os tetos das capelas.
O punk também foi criticado do mesmo modo que Caravaggio: repreendido por pecar pela falta de técnica, de decoro. O punk surgiu áspero e direto, igual a uma obra de Caravaggio, que pintava sem rascunhos, sem ensaios. O punk eliminou os excessos do rock progressivo dos anos 70, reduzindo melodias a poucos acordes, cortando solos de guitarra complicados e intermináveis, produzindo um som rápido, cru, sem floreios, com letras de cunho político. Chocou puritanos, moralistas, desagradou aos fãs do rock sinfônico. Caravaggio foi acusado de destruir a Pintura. O punk, de destruir o Rock.
Caravaggio também cortou excessos: em seus cenários, o fundo era constantemente raso, às vezes totalmente escuro. O foco de luz recaía sobre as expressões faciais dos ídolos, mulheres e homens pintados em estado de surpresa ou choque, de pesar ou sofrimento. As telas de Caravaggio se assemelham a fotografias de shows de rock: músicos e seus instrumentos destacados pela luz do palco contra um fundo negro.
Caravaggio é um artista moderno que foi obrigado a esperar que o mundo se tornasse tão moderno quanto ele. Foram necessários anos para que se aceitasse a ideia de que a Arte poderia se manifestar desacompanhada da beleza convencional, de que poderia ser estranha, inquietante, mas sem perder a honestidade. Visualmente, Caravaggio influenciou até mesmo o REM, banda americana dos anos 90. O REM explodiu graças ao hit “Losing My Religion”. O sucesso da música foi muito impulsionado pelo vídeo idealizado e filmado pelo diretor Tarsem Singh. O contraste entre claro e escuro, atores e atrizes encenando as telas “O Sepultamento de Cristo” e “A dúvida de São Tomás” embelezam a canção entoada por Michael Stipe. Em 1991, o vídeo concorreu a nove prêmios no MTV Music Awards. Ganhou seis, incluindo o de melhor vídeo do ano.
Caravaggio queria mostrar ao observador de suas obras que o angelical e o diabólico, o sexo, a violência e Deus poderiam facilmente, e até mesmo placidamente, coexistir na mesma cena dramática, no mesmo cavalete, na mesma tela. O compositor e cantor australiano Nick Cave incorporou a temática de Caravaggio em suas canções: letras que fundem o sagrado com o profano, o egoísmo criminoso com a culpa, a negação e a reconciliação com a fé. Cave se baseou na história de Lázaro para batizar seu novo álbum, lançado o ano passado - “Dig, Lazarus, Dig!!!” – e inspirar suas músicas. Segundo a Bíblia, Lázaro era um mendigo que, morto, foi ressuscitado por Jesus. Caravaggio montou essa cena, pintou o milagre. E escandalizou seus críticos e inimigos: usou um cadáver de verdade como modelo para Lázaro.
Contestador, visionário, depravado, direto. Brutal.
Caravaggio é puro rock’n roll.
4 comments:
Aguardo manifestações do blog acerca do show do Radiohead.
Putz, Bacana, não tenho muito a declarar sobre esse show. Só isso: "Nossa, como as músicas legais do Radiohead ficam legais ao vivo! E como as chatas continuam chatas!". Gostei sim, mas não saí de lá em êxtase, como por exemplo no Sigur Rós, em 2005, lá em Barcelona.
Aliás, onde o senhor estava no show? A Márcia te ligou e...nada!
Ah, eu encontrei um monte de gente, não conseguia ficar mais de 15 minutos sem encontrar alguém conhecido. Só fui ver o celular depois do show com umas 30 ligações....além disso, lá não estava o lugar mais fácil para se encontrar. Por isso reforço meu conceito de ver shows no Rio: menos gente, cerveja mais gelada e pessoas que não pensam que moram em Londres.
Nossa, Caravaggio é lindo. E o estranho é que apesar de toda a "feiúra" que tem na maioria das telas dele, a primeira que vem na minha mente é Narciso, cheia de equilíbrio, serenidade... Eu devo ter uma idéia errada dele, sei lá.
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