Wednesday, August 29, 2007

Here We Are Now, Entertain Us

Vestido preto, soltinho. Longo. Óculos escuros, apesar do ponteiro do relógio quase se aproximar das nove horas (da noite). Cigarro equilibrado entre os dedos da mão direita. Vinho branco na mão esquerda. Em taça. De vidro. Olhando fixamente para...Jesus.
Ela estava linda e perfeitamente trajada para se sentar na primeira fila de um desfile da semana de moda de Paris. Mas estava de pé, sobre um gramado enlameado, quarta fileira formada pelas pessoas que assistiam ao show da banda Jesus & Mary Chain.
Eu não me espantei. Afinal, era o segundo dia do Rock en Seine, festival parisiense que rolou no último final de semana nos jardins do Domaine National de Saint Cloud, arredores da cidade. No dia anterior, já tinha observado e aprendido: não existem "indies" franceses. Há somente...franceses. Caminhando pela enorme área ocupada pelos três palcos armados para as apresentações, não vi garotos com cabelos cortados no estilo Strokes. Não esbarrei em gente usando óculos de aro preto grosso. Muito menos em meninas-clones da Karen O. Gente de terno? Sim, isso havia. Mas nada a ver com os terninhos usados pelos músicos do Interpol, por exemplo. Ternos vestidos por caras que, no final da sexta-feira, tinham saído do trabalho e chegado a tempo para ver o Arcade Fire. Eu estava há doze dias em Paris e até então nunca São Paulo me pareceu tão distante.
Ao contrário da molecada paulistana que curte rock alternativo, os jovens franceses não querem ser ingleses ou americanos. E música serve para cumprir a única função...de ser ouvida. Rock gringo não dita regras de moda e estilo (ainda mais em um país que se orgulha de exportar tendências de moda e estilo). Veneração de rock stars gringos, gritos de entusiasmo durante os shows? Impensável. Quem se apresentou no festival esperando consagração em solo francês....pegou a linha de metrô errada. O aeroporto Charles De Gaulle fica na direção oposta.
"Bom dia! Está na hora de acordar, França!" Foi mais ou menos assim que J Mascis, da banda americana Dinosaur Jr, anos 90, cutucou a platéia que, imóvel, assistia a uma apresentação que lembrava os velhos tempos do grunge. Mas sem camisas de flanela, sem tumultos, sem mosh.
Howlin' Pelle Alqvist, vocalista do sueco The Hives, também tentou. Pulou do palco, subiu na grade, abriu os braços. Totalmente disposto a ser agarrado pela galera e levado pela multidão. Bom, o único trabalho que o segurança teve foi o de segurar os pés do rapaz para que não caísse no vão entre grade e palco. Não precisou livrar o terninho preto do vocalista de dezenas de mãos, não gastou energia dando safanões em fãs grudados no sueco como ímãs. Porque não havia nenhum.
Quando o show do Jarvis Cocker, ex-Pulp, começou...a partida de baralho que rolava sobre uma toalha xadrez, quatro jogadores compenetrados,....continuou! Perto do palco! Quem rodeava o quarteto não se incomodou, não reclamou. Ao meu lado, um ser traçava macarrão ao molho branco espalhado sobre um prato decorado. Entre duas e três garfadas, se lembrava de espiar o show.
Foi fácil, fácil chegar próximo aos palcos em quase todas as apresentações. Não há aglomerações no Rock en Seine. E por que haveria? Para um francês, não existe sentido algum em sofrer na fila do gargarejo; é muito mais coerente e agradável deitar lá do fundo, na grama, cabeça no colo da namorada e garrafa de champagne do lado. Enxergar a banda? Telão, ué!
O Rock en Seine lotou, os três dias. E o que me impressionou - no bom sentido - é que a maioria das pessoas que estavam lá não queriam ver e ser vistas. Queriam simplesmente sentar nos bancos de madeira e rir com os amigos. Queriam passar um programa diferente em família (e havia muitas, pais e filhos adolescentes). Queriam comer (comidas aos montes, em barraquinhas dispostas como em festa junina. Mexicana, árabe, italiana, sanduíches, sorvetes, algodão-doce) e beber (cerveja, vinho, champagne. Vendiam até chá e café!). E sim, queriam ouvir música bacana. E, principalmente, se empolgar unicamente com bandas que realmente são empolgantes.
Franceses não pagam pau para qualquer grupo glorificado pela NME. Não fingiram que adoraram o Jesus & Mary Chain só porque a banda marcou os anos 80 (e, a julgar pela metade do show que vi, devia ter permanecido lá). Não foram cativados por Jarvis Cocker falando francês. É um público extremamente justo: vibração, aplausos em massa, pedidos de bis apenas para o Arcade Fire que, de longe, fez o melhor show do festival (com direito até a um sermão evangélico - em bom português do Brasil! - que abriu o show! Antes de explodir a primeira música, uma menina berrava no telão: "Você é infiel, traiu seu marido! Só Jesus salva!").
Franceses não vestem camisetas de bandas, não levantam placas e faixas durante os shows. A admiração e fidelidade por um artista são discretas. Como a da moça francesa, minha idade, que me abordou na saída do festival. Era o último dia, começava o show de encerramento. Só eu indo embora. Ela veio correndo, perguntou em francês. Quando eu disse que não falava a língua, a conversa rolou em inglês. "Tá indo embora?". "Estou". "Não gosta da Björk?". "Acho meio chata". "Posso ficar com a sua pulseira?". "Claro!". A pulseira era o ingresso. A bilheteira já estava fechada. Ela pegou meu braço, tirou uma tesourinha da bolsa, cortou a pulseira de plástico. "Agora me ajuda a colocar?". "Ajudo....Ih, meu pulso é mais fino do que o seu. No seu, as pontas mal se juntam". "Agora vão juntar....com isso!". "Mas isso não é....?""É". "Mas você vai...."."Não tem problema, não! Me ajuda a colocar...". "Você quem sabe. Pronto"! A gente se despediu, rindo, as duas com aquele jeito de quem lamenta ter conhecido uma pessoa aparentemente legal, mas que nunca mais vai ver....e ela entrou correndo pra ver a Björk, cantora que, ao meu ver, não merece uma fã que chega ao ponto de colar o ingresso no braço com SuperBonder...(sobrou um pouco para meu dedo...sangrou pra tirar a cola seca, hehe).
Franceses que amam rock têm plena consciência de que a atração principal é o artista que se apresenta, não a platéia. Franceses não transformam shows em cultos de adoração, não se importam mais com a pessoa que está no palco do que com o som que ela cria. Franceses comparecem, lotam festivais. Mas não querem divertir ninguém, por mais celebrado que seja pela imprensa musical. Ao contrário. Franceses são adeptos do aviso de Kurt Cobain em "Smells Like Teen Spirit": "Here we are now, entertain us". Viemos aos shows, pagamos. Tratem de nos distrair com competência, pois não estamos aqui para alisar seu ego.

Pensando bem, talvez não por acaso, mas por ironia e alerta dirigido a qualquer rock star pretensioso, o símbolo do Rock en Seine seja....um bobo da corte.

4 comments:

Annix said...

Aaaaaaw, como eu queria ter ficado pra ver!

Cris Ambrosio said...

Nossa, você está falando sério?? É até difícil imaginar as cenas que você descreveu aí; esses franceses tem classe mesmo.

E que inveja! Hives, Jesus & Mary Chain, Arcade Fire...

(ah, me procure amanhã no msn, hoje não vou poder entrar - tenho que estudar p/ prova de química que eu não sei nada.)

bjs!

Galaxy Of Emptiness said...

Sim senhora!
Química. Nossa. Eu era tão ruim que até apanhava da professora velhinha! Quantos socos no braço levei quando ia à lousa, ahahaha (mas carinhosos. No fundo, ela gostava de mim...).

Anonymous said...

Admiro esse jeito deles encararem essas situações, acho que sou um pouco assim também.

É difícil pensar que os que estão ali no palco são gente como a gente. Legal que em algum lugar desse mundo há uma sociedade com essa consciência.