("It stirs my bile,/ When they stare at me so,/ I would like to creep into a shell/ And could die of rage.", Elisabeth da Áustria, 1887).
Maria Antonieta está na moda! Graças ao filme da Sofia Coppola. Quem já foi menina, curtiu os dezoito anos ou gosta muito de moda ou de rock com certeza vai sair feliz do cinema. Na maravilhosa trilha sonora, rola "Ceremony", música do New Order, durante a cena da festa de aniversário da protagonista. A última rainha da França foi uma espécie de Paris Hilton da época. Mas, embora também fútil e perdulária, Antonieta era mais comportada do que a patricinha americana. E mais disciplinada do que outra moça de sangue azul, também tema de filme: Elisabeth Amalie Eugenie, a Sissi, imperatriz da Áustria e Hungria, que nasceu em 1837 e morreu em 1898. Enquanto Maria Antonieta vive postumamente seus quinze minutos de fama....Sissi, o mito, ainda colhe os frutos da imagem de menina generosa moldada por Romy Schneider, atriz alemã que a interpretou três vezes no cinema durante a década de 50. Se Sofia Coppola tentou corrigir alguns equívocos em torno da sua personagem (como a famosa frase sobre os pães e brioches, que nunca foi pronunciada pela monarca), os filmes de Sissi são um engodo só. Sissi foi tão boa esposa, mãe e rainha quanto a viva Courtney Love foi boa esposa, mãe e cantora. Elisabeth era egoísta. Casou contrariada, engravidou quatro vezes e só foi mãe atenciosa para a filha caçula. A mais velha morreu aos dois anos de idade. Insinua-se que ficou doente devido à falta de cuidado materno. Sissi odiava a corte austríaca e se recusava a cumprir suas obrigações protocolares como imperatriz. Não comparecia às solenidades, deixando o marido Franz Joseph na mão. Mal aparecia em público (o povo gostava, sim, do imperador, não dela). Reclamava e tirava sarro da aristocracia vienense através dos poemas que gostava de escrever (em um deles, fala de damas fofoqueiras, feias como bruxas, exageradas como pavões). Queixava-se da falta de liberdade, embora tenha virado as costas para a família e viajado grande parte do mundo graças aos impostos recolhidos por austríacos e húngaros (chegou a passar dois anos sem ver o esposo, que era maluco por ela). Durante seus passeios, enlouquecia seguranças e damas de companhia, já que insistia em caminhar e velejar em dias de tempestades, fazer refeições em restaurantes populares, disfarçada. Além das viagens, seus únicos interesses eram cavalos e sua aparência física. Sissi foi excelente amazona e competia de igual para igual com homens, em caçadas. É ela que aparece na fotografia antiga, montada no cavalo e de leque aberto para se esconder do fotógrafo. A foto foi tirada em 1870 e talvez seja a primeira a mostrar uma celebridade fugindo do flash de um paparazzo! Quando balzaquiana, Sissi negou-se a posar para fotos e pintores, pois já se considerava velha. Paranóia de quem foi eleita a rainha mais linda da Europa (traços delicados, olhos amendoados, cabelos bem tratados), mesmo desafiando os padrões de beleza da época. Em um tempo no qual a humanidade tinha como ideal de beleza as mulheres..."com carne", Sissi torceu o nariz para as gordinhas e escolheu lutar para manter o corpo dentro das medidas adotadas pelas passarelas dos dias de hoje: escassos quarenta e cinco quilos distribuídos por um metro e setenta e dois de altura! Corpo de modelo! Comendo salada no almoço. Fechando a boca depois das seis da tarde. Montando uma academia de ginástica no seu quarto real (e academia de ginástica, no século XIX, era um conjunto de cordas, argolas presas à parede, barra de exercícios...)! Correu em Viena o boato de que Sissi vivia doente porque não se alimentava. Mentira. Sua magreza também era genética; todos na família eram magros. Espertinha, Elisabeth se aproveitou do engano para ter a desculpa perfeita para suas saídas da Áustria: precisava viajar para tratar da frágil saúde. Safa, a mocinha!
A história mais engraçada envolvendo a espevitada imperatriz é contada por sua filha mais nova, em uma carta: no dia de seu noivado, seu pai, o imperador, a encontrou chorando. Perguntou se por acaso ela chorava por ter visto a âncora que Sissi, em uma de suas viagens, havia tatuado (!!!) no ombro! Nas palavras de Marie Valerie, em sua carta traduzida para o inglês: "mum having had an anchor burnt into her shoulder, something I found very original and really not that shocking...". "Burnt" é "queimada". Talvez a tattoo tenha sido feita com ferro quente. Karen O, vocalista da banda Yeah, Yeah, Yeahs (na fotinho, amistosa), tem uma abelhinha tatuada no ombro. Certamente, feita na base da agulha. Punk mesmo é suportar a dor de um ferro em brasa.
Maria Antonieta morreu guilhotinada. E nem no quesito "morte" pode-se dizer que Elisabeth da Áustria tenha sido mais discreta do que a nobre da França. Foi assassinada em Gênova por um anarquista italiano. A imperatriz estava prestes a embarcar em um navio quando o assassino se aproximou e enfiou uma lâmina em seu peito. A morte trágica contribuiu para a redenção da rainha. O povo chocou-se com o episódio a ponto de desconsiderar o fato de que Sissi havia sido uma imperatriz ausente. Anos depois, o mundo preferiu acreditar que Elisabeth fora tão altruísta quanto Romy Schneider foi nas telas do cinema. E hoje, turistas tornam o recente Museu Sissi o mais visitado de Viena. Mais visitado e mais lucrativo. Quem diria, depois de morta, a rainha top model está devolvendo aos cofres da Áustria o dinheiro que gastou para manter seus caprichos!
Quem sabe, anos à frente, algum diretor não se interesse em filmar a verdadeira história de Elisabeth da Áustria. Afinal, a personalidade rebelde e moderninha de Sissi nada teve a ver com a santinha personificada por Romy Schneider. Personalidade também bem mais ousada e contestadora do que a de Maria Antonieta, cujo filme tem o mérito de prender a atenção exibindo a trajetória monótona de uma figura histórica mais lembrada pela forma como morreu, não como viveu. E, se por acaso, no futuro e legítimo filme de Sissi também rolar New Order na trilha sonora, que deixem "Ceremony" de fora. "Leave me Alone" é a música da rainha que viveu e se comportou como uma rock star.