A paternidade deles é antiga e distante. Jules Chéret foi o pioneiro, na Paris de 1860, embora o pintor Henri de Toulouse-Lautrec tenha se tornado o mais conhecido e célebre. Surgiram para anunciar espetáculos de cabaré ilustrando as dançarinas do Moulin Rouge, o famoso prostíbulo parisiense. O tcheco Alphonse Mucha especializou-se na confecção deles, promovendo as peças teatrais da atriz e cortesã Sarah Bernhardt. Na Inglaterra, Aubrey Beardsley foi o artista mais destacado, sempre trabalhando nas cores preta e branca. Chegando em Paris, o norueguês Edvard Munch também se interessou por eles. Eles são descendentes diretos de Cherét, Toulose-Lautrec, Mucha, Munch, Klimt. E de tantos outros que elegeram as gravuras e ilustrações como manifestação de uma Nova Arte. Ou, em francês, Art Nouveau.
Quando apareceram, durante a Belle Epóque, o estilo musical que hoje eles anunciam nem ao menos era nascido.
Eles são lindos, trabalhosos, viciantes. Eles são...os cartazes de shows.
E melhor: hoje, em 2008, eles são os gig posters. Ou concert posters. Enfim. Os posters de rock.
O que identifica - visualmente - o trabalho de uma banda? Na época dos LPs, a bolacha era vendida no meio de dois grandes papelões quadrados, ilustrados com desenhos ou fotos. Quando os CDs jogaram os LPs para escanteio, os tais papelões viraram quadradinhos de papel, protegidos por paredes de plástico. Mas agora...na era mp3....música não precisa mais de suporte físico. Nem de capas. Prático, lógico, mas...também o fim daquela diversão de poder relacionar uma banda a um desenho ou foto. Afinal, como ouvir London Calling, do Clash,...e não lembrar do baixo de Paul Simonon prestes a se despedaçar no chão? E Abbey Road, dos Beatles? A rua mais famosa da História do Rock...graças a uma capa de disco!
As capas estão condenadas à extinção. Mas...enquanto houver shows (e mp3 nenhum vai exterminar a música ao vivo)...haverá gig posters. Ufa.
Gig posters compõem um mundo vasto, mega-charmoso, poético e pouco comentado do rock. Aqui no Brasil, por exemplo, ilustrar bandas e artistas não é uma tradição. Que bom. Ninguém merece topar por aí com cartazes da Pitty ou do Chorão. Mas lá fora, gig posters são uma febre.
Descobri essa mania gringa depois que topei com o poster lindão do sempre-aqui-comentado Mark Lanegan. Cartaz desenhado pelo gente finíssima Guy Burwell. Burwell é apenas um entre milhares de ilustradores dedicados a despertar nossa atenção - e nossos sentidos - para essa forma de arte plástica tão atual. Os trabalhos desses artistas estão expostos naquele que é praticamente um monstruoso museu on line: gigposters.com. O site é uma delícia para qualquer cidadão ou cidadã que ame música ou pintura. Música ou fotografia. Música ou comics. Música ou design. Apaixonante. Reúne mais de sete mil designers e mostra cerca de noventa e seis mil posters, de mais de oitenta e nove mil bandas e músicos!! Há fóruns de discussão e também classificados para os cadastrados no site. Isso sem falar que a história dos shows de rock é totalmente desfilada no gigposters.com: cartazes clássicos de Elvis Presley, Beatles (da turnê sueca, incrível!), da apresentação do Clash, Sex Pistols e Buzzcocks em Londres, agosto de 1976, no clube The Screen (preço do ingresso marcado no poster: uma libra!) e do Nirvana pré-fama, tosco, anunciando show por cinco dólares e abatimento no preço do ticket para quem levasse latas de comida! Passeando pelo site (que consegue te hipnotizar por horas) dá para ver bem a evolução das ilustrações: até o final da década de 80, muitas eram simples letreiros, acompanhadas de desenhos rascunhados ou por fotos sem graça das bandas. Hoje, são meticulosamente pensadas e elaboradas. Fogem do óbvio e não se limitam a retratar artistas como se fossem caricaturas. E não apenas querem chamar atenções para os shows das bandas que promovem, mas desejam também um lugar nas paredes dos quartos dos fãs. Nada mais justo. Tá cheio de gente de talento pintando imagens que enchem os olhos: Tara McPherson usa cores geladas para preencher figuras de traços infantis, Guy Burwell me confirmou que foi buscar inspiração nas pinturas de Gustav Klimt para um poster do The Cure (quando vi, achei parecido com Klimt e perguntei para ele se era piração minha. Não era, he), o time de designers da The Small Stakes sabe usar a criatividade e reproduzir idéias geniais usando poucas linhas e cores. Como nesse poster do The National.
Além disso tudo, no gigposters.com é possível brincar de classificar uma banda de acordo com....seu bom ou mau gosto estético, hehe. É divertido. Por exemplo: The Decemberists. Mais uma banda de indie rock barroco, nos moldes do Arcade Fire. Vi o show na Espanha, chato pra burro. Não faz jus aos maravilhosos cartazes enfileirados no gigposters.com. Os mais lindos do site, você pode conferir. As dezenas de posters do Queens Of The Stone Age seguem a temática de Toulouse-Lautrec: pelo jeito, Josh Homme também curte desenhos de meninas com pouca roupa, fazendo caras e bocas. Puro rock. Bom, meu poster preferido, entre as centenas que vi, está aí em cima: a andorinha salvando o navio quase naufragado. Mega simples e emocionante. Palmas para o Modest Mouse! Ao lado dele, outro sensacional: um cavalo "radiografado" anunciando um show da banda Blonde Redhead.
Bem, não consegui perambular pelo gigposters.com e....não ter vontade de torrar meu dinheirinho em posters! Decidi que São Lanegan - olhando por mim na promotoria - merecia companhia. Pois então. Enquanto mulheres da minha idade escolhem cortinas, pisos, azulejos e objetos de decoração para ornamentar suas casas....eu...ainda escolho posters de rock. Mas pelo menos escolhi os meus com esmero. E não foi fácil: as ilustrações tinham que combinar com o cartaz do Mark, com os Van Gogh e Chagall que já estão na minha sala, com a cor sorvete-de-creme (!) que o Tribunal de Justiça elegeu para cobrir as paredes do Fórum. Descartei os posters de fotografias de artistas. Do tipo que vende em lojas de discos, naqueles mostruários que a gente vira como se fossem páginas de um livro gigante. Thom Yorke olhando vesgo para os inquéritos policiais sobre minha mesa? Não rola. Depois, por mais que eu admire os bíceps do Trent Reznor, os ombros do Dave Grohl e anatomia completa do Lanegan....botar no Fórum posters-fotos dos meus musos seria total cafonice. Promotoria não é fã-clube. E mais. Os nomes de algumas bandas ficariam um pouco....hã....fortes se expostos em uma promotoria de justiça. Bandas de que gosto, até. Mas que foram vetadas. Convenhamos, seria meio assustador alguém entrar na minha sala e dar de cara com cartazes do The Killers, The Kills, A Place to Bury Strangers, And You´ll Know Us By The Trail of Dead ou She Wants Revenge. Acho que eu teria problemas com a Corregedoria do Ministério Público, hehe. Se bem que...se eu colocasse esse cartaz da dupla de música eletrônica Justice na promotoria....não tenho dúvidas de que todos meus problemas com adolescentes infratores estariam solucionados. Bastaria o menino traficante entrar na minha sala, ver o poster para desistir, forever, de aprontar pelas ruas da cidade. Eu nem precisaria dar bronca, concordam?
E ao fim de uma criteriosa seleção...os ganhadores! Encomendados e comprados. Coming soon...nas minhas paredes: a mod girl do Raveonettes, o poster tragi-romântico do Nada Surf e....uma obra-de-arte do Radiohead. Absolutamente linda e indescritível (confirmando minha obsessão por asas).
gigposters.com. Enjoy.