Monday, June 09, 2008

O Direito Penal Brasuca e as Cinzas de Kurt Cobain


Quem diria. Kurt Cobain saiu do armário. Depois de morto. Texto copiado do site de notícias G1:

"Courtney Love, viúva do cantor do Nirvana Kurt Cobain, afirmou que as cinzas de seu marido foram roubadas de sua casa em Los Angeles. As cinzas estavam em uma bolsa em formato de urso, guardada em um guarda-roupa.

Ela disse que tem impulsos suicidas em razão do ocorrido. 'Não posso acreditar que alguém poderia levar as cinzas de Kurt. Eu acho isso repulsivo e agora mesmo me sinto suicida. Se não consegui-las de volta, não sei o que farei.' A informação é do tablóide "News of the World".

A maioria das cinzas de Kurt Cobain, que se suicidou em 1994, aos 27 anos, foi espalhada em um templo budista de Nova York.

'Eu costumava levá-las para todos os lugares, assim eu podia sentir que Kurt ainda estava comigo. Agora parece que eu o perdi novamente', disse Love."

Pois é. Passaram a mão no vocalista do Nirvana. Ou melhor, em parte daquilo que um dia foi o vocalista do Nirvana. Li a reportagem e....póim, logo comecei a pensar no aspecto jurídico do acontecimento. Bom, a pensar sob o ponto de vista do direito penal brasileiro, pois não conheço a lei californiana. Rolou um crime? Se sim, qual?

O artigo jornalístico menciona roubo. Tá errado. O roubo é sempre cometido com violência ou através de uma ameaça grave (como, por exemplo, com exibição de arma). Ora, ninguém enfiou um três-oitão no focinho de Courtney Love e saiu em disparada com Cobain a tiracolo, não é mesmo? O meliante agiu na clandestinidade.

Furto então? No furto, sim, há subtração sem violência ou ameaça grave. Mas aí surge um probleminha. O artigo 155 do Código Penal define o que é furtar: "subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel". "Coisa", sacou? O que significa, juridicamente, a palavra "coisa"? Guilherme de Souza Nucci, autor do "Código Penal Comentado" publicado pela Editora Revista dos Tribunais, explica lá na página 515, da 4a. edição: "coisa é tudo aquilo que existe, podendo tratar-se de objetos inanimados ou de semoventes. No contexto dos delitos contra o patrimônio (conjunto de bens suscetíveis de apreciação econômica), cremos ser imprescindível que a coisa tenha, para seu dono ou possuidor, algum valor econômico". Po! Data venia....as cinzas não são "coisa", não. Vá lá que a bolsinha que abrigava Kurt seja coisa (coisa inanimada). Aí, sim. Não dá pra negar que a bolsa, que tem valor econômico, possa ser furtada. Se Kurt fosse um jaboti (jabuti?) de estimação, vivo, OK. Furto de coisa semovente. Mas esqueçam a bolsa e o jabuti (jaboti?), pensem só nas cinzas. Furto é crime cometido contra o patrimônio de alguém (a lei fala em "coisa alheia"). Cinzas não são bem econômico. Se fossem, a quem pertenceriam? À viúva? A Frances Bean, filha adolescente de Kurt? Aos pais dele? Se cinzas fossem consideradas coisas, teriam que ser sempre objeto de inventário, para partilha entre os herdeiros. As de Kurt Cobain ou as suas, caso seu desejo póstumo seja virar churrasco. Se cinzas fossem "coisa", as de Kurt e as suas poderiam até ser leiloadas no e-bay! A preços bem diferenciados, óbvio (concorda comigo, ilustre pé-rapado desconhecido?). Absurdo, certo? Bem, concluindo: cinzas não são "coisa". Nada de furto.

Passemos então aos chamados "crimes contra o respeito aos mortos". Diz lá o Código Penal, no artigo 211, que é crime "destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele". Nucci cita a definição do penalista alemão Franz Von Liszt para esclarecer, na página 663, o que é "cadáver": é "o corpo humano inanimado, enquanto a conexão de suas partes não cessou de todo". Oh. Cinzas...grãos. Soltinhos e misturadinhos! Logo, cinzas não são cadáver. Não foi praticado o crime previsto no artigo 211. E o do artigo 210, que tal? "Violar ou profanar sepultura ou urna funerária". Ai. Restinhos de Cobain jaziam no interior de uma bolsa rosa de ursinho. Uma bol-sa ro-sa de ur-si-nho. Sepultura? Urna? Sem chance (mudando um pouco de assunto, mas nem tanto: um professor de Direito Processual Civil do Largo São Francisco costumava falar: "quero que minhas cinzas sejam jogadas no canteirinho de plantas do Shopping Higienópolis. Só assim vou ter certeza de que minha mulher vai me visitar toda semana".). Sobrou esse crime: artigo 212. "Vilipendiar cadáver ou suas cinzas". Vilipendiar significa desprezar, ultrajar. Humm. Courtney Love é uma jararaca, todo mundo sabe. O cidadão, ou cidadã, que surrupiou Kurt em pó com certeza não cometeu um vilipêndio. Ao contrário. Prestou ao morto uma homenagem, resgatando-o! Fora do guarda-roupa, fora da bolsa de ursinho! Criminosa é a viúva do Mal.

Sensacional! O ser que levou as cinzas de um dos caras mais importantes da História do Rock não cometeu crime nenhum, ehehe! (segundo a lei brasileira, como já disse. Ou seja, imaginando, por hipótese, que o desaparecimento das cinzas tivesse rolado no Brasil....não haveria punição).
Mas aí surge outra pergunta. Quem foi o espertinho? Sim, alguém que sabia do conteúdo da bolsa de ursinho. Parente, amigo da família. O mordomo? Ou será que Frances Bean teve coragem de trocar cem gramas de pai por cem gramas de farinha, pedra ou chá (cocaína, crack e maconha. Em termos meigos).

Espera aí.

Tá na cara! Como a polícia americana ainda não o procurou?

Keith Richards, onde você estava na hora do sumiço?!

6 comments:

Annix said...

hahahahaha, que delírio! :)
"coisa semovente"- essa é nova, legal

Galaxy Of Emptiness said...

Gostou dos semoventes, hehe? Mais uma pra colecionar: "abigeato".
Ou...."furto de gado", ahahaha!

Annix said...

!!!!
no caso a bolsa da minha mãe foi furtada ontem :(( ainda bem que não foi roubo então :)

Galaxy Of Emptiness said...

Putz. Ter que tirar novos documentos só por causa de um nóia desocupado.
Deviam voltar a construir masmorras, viu. Penitenciária é muito light.

Anonymous said...

Nâo duvido nada que essa bruaca criou tudo isso para estar novamente sob os holofotes.

Meu veredito: prendam a viúva por perturbar as paz dos fãs alheios ahhahahha

Cris Ambrosio said...

Hahaha

Como Cobain se sentiria se descobrisse que parte dele está passando a eternidade num guarda-roupa dentro de uma bolsa de ursinho rosa com a Courtney Love? Talvez ele até saiba e o roubo foi intervenção divina.

Mas eu acuso Keith Richards, quem sabe os Stones inovam um pouquinho o som.