Não gosto de Carnaval. Tenho meus motivos. Aos seis anos, minha madrast..., digo, minha mãe me travestiu de dançarina de rumba. E me despachou para o Sport Club Ilhabela. Lá, após ser pisoteada por uma manada de gente suada e ensandecida, jurei nunca mais tomar parte desse ritual selvagem. Jamais me arrependi. Mas não implico com aqueles que curtem (só com o Fernando, porque ele tem obrigação de me aturar, hehe). E até admiro a alegria e disposição dos gringos que cruzam a linha do Equador para ouvir batucada, passar calor e dançar com a desenvoltura de um ganso.
Mas há gringos que mandam muito bem! Neste ano, no Carnaval da Bahia, ninguém foi mais fotografado do que o inglês Norman Cook. Sorrindo, pulando, rebolando e tocando....picapes eletrônicas! Cook não é sambista, passista, ritmista. É DJ que mescla house, acid, funk, hip hop, electro e techno. Egresso do Housemartins, banda pop dos anos 80, o ex-baixista adotou a música eletrônica e, a partir de 1996, passou a se apresentar como Fatboy Slim. Colou. É um dos DJs mais populares do mundo. Tão popular e aceito que sua platéia não é apenas formada por clubbers. Gente normal lota praias para vê-lo (um dos maiores sucessos do DJ foi o álbum "Live On Brigthton Beach"). Tomado por tamanha animação, o branquelo inglês, repetindo a dose do ano passado, enfiou suas camisas de estampas berrantes (de fazer inveja ao Agostinho da "Grande Família") na mala, voou para o Nordeste do país e subiu no trio-elétrico. Acompanhado por Daniela Mercury, sampleou músicas de Jorge Benjor, Michael Jackson (!) e criou uma espécie de samba do gringo doido, satisfazendo a galera. Gosto não se discute (lamenta-se).
Se é engraçado ver um DJ inglês cultivando tamanha paixão por Carnaval....imagine só quando o gringo serelepe é um cientista. Um físico famoso, de genialidade comparada à de Einstein, também contemplado com um Prêmio Nobel.
Richard Phillips Feynman nasceu em Nova Yorque, em 1918. Estudou no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e formou-se em Física. Ph.D. pela Universidade de Princeton, foi designado para trabalhar no Projeto Manhattan, em Los Alamos, Novo México. Era o projeto secreto financiado pelo governo americano e chefiado pelo cientista Robert Oppenheimer que reuniu químicos, físicos e engenheiros renomados para o desenvolvimento de armas nucleares. Muitos deles, idealistas e convencidos pelo exército de que a Alemanha Nazista avançava nas pesquisas nucleares, aceitaram o desafio de criar bombas atômicas. Feynman foi um desses cientistas. Mal sabia ele que um dos aparatos nascidos nos laboratórios americanos, a bomba de urânio apelidada de "Fatman", iria ser lançada sobre a cidade de Nagazaki, no Japão.
Richard Feynman lecionou na Universidade de Cornell, no Caltech e, anos mais tarde, descobriu o motivo da explosão do ônibus espacial Challenger (a razão foi um erro primário: lançamento da nave em um dia de muito frio. Anéis de borracha que deveriam se expandir...se contraíram). Mas Feynman, um crânio ambulante, estava longe de ser um nerd bitolado! O físico, mulherengo de primeira, adorava dançar. Foi testemunha de defesa em processo movido contra o dono de uma boate de topless (testemunha e manchete dos jornais da época: "Professor de Física do Caltech vai aos shows de topless seis vezes por semana"). Adorava brincar. Em Los Alamos, nas horas de folga, aprendeu a arrombar cofres. Testava sua habilidade de decifrar códigos nos cofres que guardavam a papelada sigilosa, enlouquecendo e apavorando seus colegas cientistas e até mesmo os militares responsáveis pela segurança das informações. E Feynman adorava uma batucada. Tocava bongô e tambor. Apaixonado por dança, batuque, moças peladas e homem de espírito jovial....logicamente, aterrissou no Brasil. Na década de 50, o físico morou e trabalhou meses no Rio de Janeiro. Na cidade maravilhosa, sua maior dificuldade não foi adaptar-se ao clima ou ao modo de vida. Foi aprender a tocar "frigideira" decentemente, para não fazer feio no bloco de Carnaval do qual era integrante da bateria. Anos depois, já Prêmio Nobel de Física em 65, voltou para o Carnaval a convite do governo do Rio de Janeiro. Destacado como "celebridade". Posou para fotos, feliz da vida, ao lado da Miss Brasil (melhor do que dividir flashes com Daniela Mercury). Na verdade, a homenageada do Carnaval carioca deveria ter sido a atriz Gina Lollobrigida, que recusou em cima da hora. O secretário de turismo lembrou-se de Feynman, que fez piada quando soube que havia sido um "reserva": "...tiveram essa idéia maluca de substituir Gina Lollobrigida pelo professor de física! É desnecessário dizer que o secretário fez um trabalho tão ruim naquele carnaval que perdeu seu cargo no governo".
Em comum, o DJ Norman Cook e o físico Richard Feynman (já falecido) pouco têm. Mas esse pouco é muito: simpatia, simplicidade, alegria, espírito livre e criativo. A obra de Fatboy Slim dá para conferir nos youtubes da vida. A obra de Feynman, para sorte dos leigos, não se limita apenas aos estudos de Física. Dois livros leves e divertidos contam sobre a vida colorida do espevitado cientista: "O Arco-Íris de Feynman", de Leonard Mlodinow e o hilário autobiográfico "O senhor está brincando, Sr. Feynman!/As estranhas aventuras de um físico excêntrico". Esse, li durante o Carnaval. Porque Carnaval, pra mim, só pela TV. Ou através dos olhos de quem realmente gosta...
1 comment:
Gosto de carnaval, apesar de não ser dos mais empolgados, de não sair correndo pela rua como se estivesse com baratas dentro da roupa, consigo ver graça nesses cinco dias de loucura e "desapego a moral".
Que estranha essa fascinação dos gringos. Claro que esse sentimento nem sempre é dos mais puros, mas de tudo o que o carnaval proporciona não consigo ver qual é graça de ficar em frente a TV ou em uma arquibancada lotada vendo um monte de gente desfilar com papelão na cabeça.
O Norman Cook está quase virando um Jimmy Cliff do eletrônico, só falta comprar a casa e se mudar.
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