Uma princesa. Cabelo loiro lisinho, natural, zero de maquiagem no rostinho de porcelana. Franja jogada de lado escondendo o olho. Lembrava a modelo Kate Moss quando bem novinha. Corpo delicado, bem alta. E a voz transparente, de sereia. Um anjinho assim, em um cabaré de strip-tease? Ela cantava para uma plateia minúscula. E aquele que mais queria vê-la não estava lá. Mas isso eu ainda não sabia. Também não sabia qual era a banda. Descobri dias depois. Uma mistura de Velvet Underground com Cocteau Twins. Ela, a vocalista, única garota entre três meninos. Seu nome, não sei até hoje.
Perfeição? Quase. Não fosse o vestido. Verde escuro, listras pretas horizontais, verticais, envolvendo as mangas. Comprido, descendo até as canelas. Disforme, sem graça. Opaco. Pena, uma menina tão linda embrulhada em um camisolão de tecido grosseiro. Talvez ela não quisesse ofuscar as luzes delicadas que caíam sobre o palco. Ou não interferir nas imagens celestes e nas espirais coloridas que giravam no telão, atrás dela. Merecia um vestido de pérolas, seda ou cetim, a Menina Sem Nome. Mas era algodão. Menina-Algodão.
Depois da última música, ela agradeceu e sumiu. Pessoas foram aparecendo, aparecendo, até preencherem os pedaços vazios da pistinha. E de repente, o Madame JoJo's - casa no Soho londrino, na antiga e revitalizada boca-do-lixo - ficou mais sofisticado. Elas eram três, dançando na frente do palco. Penteados impecáveis, fios de cabelo domados por spray. Cílios empapados com rímel, olhos contornados por lápis escuro, aquele ar de saúde que o blush dá. E todas as três embaladas por renda. Três vestidos elegantes, três cores diferentes. O mesmo material. Renda. A Menina-Renda preta parecia ansiosa. Olhava muito para o palco. Esperando a banda da noite? A Menina-Renda branca sabe que é linda. Cortou o cabelo bem curtinho, sem medo de mostrar as feições de boneca. O vestido é muito justo, parece costurado sobre o corpo. Uma pele alva de renda. A Menina-Renda verde-água, saia rodada, girava sem parar enquanto o DJ tocava Joy Division. Uma bailarina do pintor Degas.
Apagaram as luzes no cabaré. Olhei para baixo, na pista. As Meninas-Renda não estavam mais lá. As luzes se acenderam sobre o palco. Uma guitarra branca e preta estava colada ao vestido de renda champagne. A renda preta parecia se acalmar pelo contato com o baixo. Espremida atrás de teclados, não havia mais espaço para a renda turquesa rodopiar. E uma última menina estava sentada na bateria. Equilibrando um coque-banana! Quatro mocinhas. A banda americana The Like, o show secreto do indiscreto Madame Jojo's.
"Não, não é The Like." "É, sim, ué", falei. "Não....mas não é ela...". No intervalo entre os dois shows, um menino, gorrinho de lã na cabeça, sentou do meu lado. Preocupado. Perguntou se já havia acabado o show do The Like. "Nem começou.", tranquilizei. Ele respirou aliviado. "Ainda bem, cheguei na hora. Só quero ver The Like, estou pouco me lixando para a banda de abertura. Como ela se chama, aliás?". Nem ele conhecia a banda da Menina-Algodão. Pelo menos isso era o que eu pensava. Erro meu. Porque quando as Meninas-Renda ligaram os instrumentos, o moleque apavorou. "Cadê ela!?". "Quem?". Silêncio por uns instantes. "A vocalista do show de abertura...você viu? Era uma loirinha, cabelo nessa altura.". Ele apontou para o próprio omoplata. "É". "Ah....não. Era essa a banda que eu estava louco para ver. Confundi, achei que era The Like.". Ele cruzou os braços na frente do peito, suspirou, esticou as pernas. E ficou triste. Não era para tanto. Afinal, o som rolando no palco era bacana. Rock de garagem com aquelas pitadas bubblegum dos anos 60. Música ensolarada tocada por cinderelas rendadas, vestidas para o baile. O menino não se movia, não esboçava reação. Parecia distante. Sonhando com uma menina que cantava música lunar. "Cuida das minhas coisas enquanto eu vou até o bar?". "Cuido, lógico". As coisas dele se limitavam a uma sacolinha de plástico. Pelo formato quadradinho, havia um vinil dentro. Desleixado o garoto. Desanimado, havia largado o disco no chão. Catei a sacolinha, coloquei com cuidado sobre o estofado. Ele voltou, empurrou o vinil para o chão, se jogou no banco-sofá. Lá na frente as Meninas-Renda faziam bonito: um cover de "Why When Love is Gone?", canção dos Isley Brothers. O menino do gorro de lã olhava com indiferença. O mundinho dele era um reino preto-e-branco, melancólico, trancado para as princesinhas do The Like. Esqueci dele por uns instantes, melhor prestar atenção show, que estava quase no final. Até o momento em que tomei um susto. Ele, sacundindo meu ombro. "Que foi?", virei para o lado. O rosto do garoto, iluminado. "É ela!!". De pé, ao lado dele, a Menina-Algodão, sozinha, olhava na direção do palco. "É, é ela. Vai lá falar com el...". Não precisei terminar. Ele deu um pulo e grudou no vestido verde listrado, cochichando alguma coisa no ouvido da cantora. Ótimo, me concentrei no show, já no bis. Minutos depois, eu me virei. Queria ver se o menino estava progredindo. Mas, ao meu lado, o espaço vazio. O vinil não estava no chão. O menino do gorro de lã havia evaporado. E cadê a Menina-Algodão?
Então eu entendi.
Ah. O amor. Às vezes tão simples, suave, aconchegante.
Como algodão.