"All the victims have turned to stone, no one is happy, they're all alone /I'd sacrifice my social position tonight/In New York, millionaires, and lonely people with lonely stares/I'm not lookin' for love and I'm lost in this night/In the naked city (in the city) there are ten million stories (naked city)/I'm not lookin' for pity (in the city) in this naked city (naked city)" ("Naked City", Kiss).
"I met a man/He told me straight/"You gotta leave/It's getting late"/Too many cops/Too many guns/All trying to do something/No-one else has done" ("Big Exit", PJ Harvey).
"New York, New York! It´s a wonderful town!" cantavam em êxtase os três marinheiros jovens, uniformizados, penteados e barbeados...em licença de vinte e quatro horas para conhecer a mais vibrante cidade da América. Gene Kelly, Frank Sinatra e Jules Munshin foram os atores que, através de Hollywood, mostraram às telas de cinema do mundo a face doce, alto-astral, dançante e colorida de New York. O filme era "On The Town", de 1949, clássico musical produzido pelos estúdios da Metro-Goldwyn-Mayer. Ou, no título traduzido para o português, "Um Dia em Nova Yorque". Apagada a tela de projeção, quem não saía do cinema sonhando com um dia na cidade maravilhosa?
"New York is a friendly town" brilhava o letreiro luminoso em uma fotografia borrada. Foto irônica, mais uma entre as centenas que Weegee, apelido de Arthur Fellig (1899-1968), tirou durante sua carreira de repórter fotográfico. Weegee foi o fotógrafo que, através de uma câmera rudimentar e muita luz, mostrou às páginas dos tablóides a face amarga, deprimente, sem-lei e preta-e-branca de New York. Não foi trabalho de um dia em Nova Yorque. Foram incontáveis noites, entre as décadas de 30 e 50. Terminada a leitura e fechado o jornal, que leitor não suspirava aliviado por não ter passado uma noite de pesadelos na cidade..."amistosa"?
Por cerca de quinze anos, Weegee não dormiu. O esforçado e incansável rapazinho, judeu de origem polonesa, começou a trabalhar como repórter fotográfico em 1935, com um diferencial: era o único jornalista autorizado a operar um aparelho de rádio de ondas curtas para captar mensagens do quartel general da polícia. Ao volante de seu Chevrolet, Weegee se investia de uma missão: percorrer indefinidamente as ruas novaiorquinas noite a dentro, à procura de trágedias humanas. Para Weegee, New York era um permanente pronto-socorro.
Conectado às informações policiais e dotado de incrível faro para aparecer no lugar exato a tempo de flagrar prisões, incêndios, acidentes de carros, Weegee não raro terminava seu trabalho antes de policiais limparem o cenário dos crimes. Em alguns casos, antes mesmo da polícia chegar. Registrava catástrofes enquanto elas aconteciam. O laboratório de revelação - improvisado no porta-malas do carro - garantia a rápida metamorfose das imagens em fotos. No próprio local fotografado! Resultado: a verdade crua das cenas e pessoas fotografadas provocava choque, temor, fascinação na maioria dos leitores. As fotos reveladas conservavam o impacto do momento de seu nascimento.
Além de simples, o equipamento fotográfico de Weegee era ajustado para provocar contrastes: luz branca pipocava nos rostos surpresos de gangsters algemados, de mulheres que se deparavam com os corpos de seus maridos abatidos nas calçadas, de estrelas do cinema perdendo a compostura na saída de alguma festa regada a álcool. Weegee chamava sua técnica de "luminosidade à la Rembrandt". E esse método guardava mais semelhanças com técnicas de filmagem cinematográfica do que com de fotografias...
E foi então o cinema que compreendeu Weegee. Entendeu, o homenageou e por ele foi influenciado. Até hoje. Weegee foi o fotógrafo que, segundo o New York Times, "criou a noite noir". Inspirou, por conseqüência, o cinema noir. "Naked City", película em preto-e-branco de 1948, reproduziu a estética visual de "Naked City", livro-coletânea das fotografias de Weegee publicado em 1945: a criminalidade americana fotografada na visão de culpados, testemunhas, vítimas; a desigualdade social, a violência, o mundo das ruas onde o menino judeu cresceu, se educou e virou autodidata da fotografia.
Os quadrinhos também absorveram as imagens de Weegee. Visual sombrio, alto-contraste, marginalidade, corrupção policial....Frank Miller transformou em cultura pop o trabalho de Weegee. Nasceu "Sin City", série de comics noir. E os desenhos perturbadores de Miller, inspirados pelas fotos perturbadoras - e reais - de Weegee, levaram à adaptação cinematográfica de "Sin City" (um dos filmes mais bacanas que já vi). Vendo as fotografias de Weegee, não há como não lembrar de "Sin City"....
Repórter fotográfico de vigília, empenhado em rondas noturnas, se esgueirando entre os arranha-céus de Manhattan, flagrando criminosos em ação, trabalhando antes e à frente da polícia. Ah, agora você sabe quem o novaiorquino Stan Lee usou como modelo para criar Peter Benjamin Parker. Sim, Weegee é o Homem-Aranha!
Weegee não registrou apenas o lado ilícito e sensacionalista de New York. Embora polêmico e muitas vezes acusado de oportunista e imoral, o repórter denunciou o racismo através de fotografias que captaram humilhações suportadas pela população negra, o abandono de crianças e mendigos na periferia, de adultos em manicômios. Fotografou o período da Depressão, as paradas comemorativas da euforia do pós-guerra, gente solitária em Manhattan, namorados. A faceta muitas vezes feia, mas às vezes poética de uma cidade que, anos mais tarde, a banda Velvet Underground usou como tema para suas canções. Lou Reed escreveu e cantou as fotografias de Weegee. E até os mascarados - e novaiorquinos - do Kiss, banda de hard-rock, renderam-se a Weegee. "Naked City" é também música: "In the naked city, there are ten million stories".
Jornalismo policial, História Americana, cinema noir, comics, Sin City, Homem-Aranha, rock, cultura pop.
Senhoras e senhores, Weegee: