Monday, June 25, 2007

Em Busca do Tempo Perdido





Serge Gainsbourg. Quem!? Ah, você já ouviu falar dele. Ou melhor: você já o ouviu. Quando? Bom, quantas músicas francesas você conhece? Vai, faça um esforço e tente puxar na memória. Hã....uma. Aquela em que a moça geme enquanto diz "je t´aime", aquela que lembra strip-tease e comercial de calcinhas das Lojas Marisa. Viu só? Você conhece Serge Gainsbourg. Ou não.

Lucien Ginsburg nasceu no dia 2 de abril de 1928, em Paris. Filho de judeus russos, mãe dona-de-casa e pai pianista de bar. Sua infância foi tensa devido à ocupação nazista na França: a família suportou humilhações para evitar os campos de concentração. Em 1945, recém-aliviado pela derrota alemã, Lucien resolveu dedicar sua vida à arte. Tentou a pintura até perceber que não era tão bom artista quanto os pintores já consagrados. Então começou a seguir os passos do pai. Só que Lucien Ginsburg não desejava apenas tocar piano. Queria compor e cantar. E, óbvio, ser famoso. Primeira providência: mudar nome e sobrenome. "Gainsbourg" soava mais imponente do que Ginsburg. E "Serge" substituiu Lucien. Afinal, Lucien era "nome de cabeleireiro".
Em 1958, Serge Gainsbourg lançou seu primeiro disco. Foi o ponta-pé inaugural de uma carreira que alcançou o auge somente onze anos depois, com o single de "Je T´Aime, Moi non Plus" (aquela canção), cantado em parceria com a inglesa Jane Birkin. Mas Gainsbourg foi muito mais do que o pai de um hit só. Quando vivo, encontrou muita resistência, nacional e internacional, à sua música, pois....era absurdamente inovadora. Assustava crítica e audiência. Serge sacudiu e popularizou até então aborrecida música francesa. Criou melodias que harmoniosamente misturavam música clássica, chanson, jazz, girl-pop, rock, reggae, disco. E escreveu letras cínicas, divertidas, sofisticadas e até machistas, que falavam tanto de sexo como de filosofia, chegando a colocar literatura, repolhos, cultura pop americana e flatulências em pé de igualdade e importância. Gainsbourg cantou sobre carregadores de mudança ("Le Charleston Des Déménageurs De Piano"), sobre o perfurador de bilhetes da estação de metrô que se mata com um tiro porque não consegue suportar mais uma existência feita apenas de buraquinhos ("Le Poinçonneur Des Lilas"), compôs a sensacional "En Relisant Ta Lettre" (Ao Reler sua Carta), em que o protagonista lê o bilhete deixado por sua amante suicida e faz comentários sobre seus erros gramaticais.
Tamanha criatividade não se encaixava às preferências musicais da época. A França havia embarcado na onda inglesa do twist, do Swinging Sixties, rendida ao bom mocismo do fenômeno Beatles, garotos barbeados, de família e suas canções inocentes a respeito da simples alegria de segurar a mão da namorada. Não havia espaço para um trintão feioso que cantava sobre pum! Mas não só. Do outro lado do Canal da Mancha, os britânicos tratavam a música pop francesa com o mesmo sentimento que os franceses tratam a culinária inglesa: desdém. O idioma não ajudava: só entendendo francês para sacar os trocadilhos e duplos sentidos das letras de Gainsbourg. Por preconceito, desconhecimento e rivalidade nacionalista, a imprensa musical britânica - que já naqueles tempos ditava o hype - jamais rotularia Serge de cool. O jornal inglês The Independent, comentando o falecimento de Serge em 1991, foi ao ponto: "Gainsbourg tinha uma maldição, um atributo que passou a ser empecilho maior ao sucesso na música do que ser cego, surdo-mudo ou estar morto. A ele se dá o mais fatal dos adjetivos: francês".
Contudo, Serge Gainsbourg nunca desistiu da música. Se sozinho e feio ele não causava impacto positivo no público...bem, então por que não se aliar às beldades, queridinhas dos franceses? Você nem sabia, mas o girl-pop que hoje faz a fama das Britney Spears da vida foi impulsionado por Serge Gainsbourg, lá nos idos da década de 60. Ele compôs, com sucesso, para as cantoras lolitas da época, e mais tarde para Vanessa Paradis. O engraçado é que as músicas apenas aparentavam inocência, pois a malícia gainsbourguiana estava sempre lá (a bonequinha France Gall, intérprete de "Les Sucettes", passou semanas trancada em casa após descobrir que a letra da música que garantiu seu sucesso não falava exatamente de um pirulito). E Gainsbourg, feio mas charmoso, também se deu bem com as deusas. Compôs para cantoras adultas, algumas delas estrelas de cinema, como Brigitte Bardot. Serge foi amante de Brigitte, que na época era casada. É dela a voz que aparece na incrível "Comic Strip", música ultra-pop que Serge fez tendo por referências as histórias em quadrinhos. No videoclip, BB aparece morena, vestida de super-heroína, entoando aquelas onomatopéias típicas dos comics: "pow", "zip", "wiz" (http://www.youtube.com/watch?v=_-xd98mzRsk). A primeira versão de "Je T´Aime, Moi non Plus" foi gravada com Brigitte Bardot. O marido dela ficou sabendo e proibiu a divulgação da música. O projeto de Serge foi arquivado até que....ele conheceu Jane Birkin.
Jane Birkin era inglesa, jovenzinha, e linda. Serge, divorciado duas vezes, se apaixonou e os dois começaram a viver juntos. Convenceu-a a gravar nova versão de "Je T´Aime...", depois de ter pedido - e ouvido recusa - de Marianne Faithfull, que não queria ficar mal com o namorado Mick Jagger. E então rolou. A música que celebrizou o casal para sempre. A lenda é apenas uma lenda: não, eles não transaram durante a gravação. Ao contrário. Jane penou para seguir à risca as orientações do namorado e acertar o tom de voz, a altura, quantidade e duração dos suspiros e gemidos. Serge desejava uma canção maravilhosa, lânguida, linda e romântica na medida certa. Conseguiu. Talvez por isso tenha ficado tão surpreso quando a canção foi rotulada de "indecente" por inúmeras rádios (incluindo a BBC inglesa) e banida pelo Vaticano. Serge sofria com críticas negativas. Chorava até (muito embora a capa de seu segundo disco tivesse sido uma provocação: vestindo terno, ele aparece segurando rosas em uma das mãos, um revólver na outra. "Rosas para as mulheres, arma para os críticos". Antecipou em quase trinta anos aquela famosa banda de Los Angeles...). Mas...publicidade negativa muitas vezes é mais poderosa do que a positiva. A polêmica serviu para promover a música, que vendeu muito bem na Inglaterra e Estados Unidos, conferindo a Gainsbourg alguma projeção para além das fronteiras francesas.
Depois de "Je T´Aime, Moi non Plus", Serge poderia ter se acomodado e seguido a fórmula recém-descoberta para o sucesso: canções sensuais. Mas ele era visionário. Notando que se destacava na Jamaica um novo ritmo musical...lá foi ele, de mala e cuia, mal falando inglês, conhecer a terra de Bob Marley, à procura de músicos que colaborassem na produção de seu disco...de reggae. Foi assim que Gainsbourg inventou o "freggae", a fusão de música francesa com reggae. Novamente, gerou outro escândalo ao gravar "La Marseillaise", o hino nacional francês, em nova versão, acompanhada por aquilo que os jornais chamaram de "um bando de rastas". A indignação francesa foi comparada à reação inglesa a "God Save the Queen", da banda punk Sex Pistols.
Além da música, Serge Gainsbourg se arriscou no cinema. Quando atuava, era sempre escalado para os personagens dos vilões, já que sua aparência nada tinha a ver com a de um mocinho. Até o dia em que resolveu dirigir seu próprio filme, o qual ganhou o mesmo título da sua canção de maior sucesso. História de um caminhoneiro gay, apaixonado e assassino! Lançado em 1975, foi um fracasso de público e de crítica, embora tenha sido defendido por gente importante. François Truffaut apareceu na TV e recomendou: "Nem se incomodem em ir ver o meu filme, vão ver o do Gainsbourg. Aquilo sim é uma obra de arte". Hoje, o filme virou cult. E como se não bastasse ser cantor, compositor, ator e diretor....Gainsbourg escreveu um livro! Fábula surrealista sobre um artista que luta contra o mal da flatulência...e que chega a comprar um bulldog, em quem passa a colocar a culpa pela vergonhosa emissão.
Gainsbourg não era uma pessoa fácil. Cultivava manias. Se Roberto Carlos é obcecado por azul....Serge Gainsbourg gostava de decoração preta. Jane Birkin e seus filhos moravam no escuro, pois as paredes da casa eram pretas, as janelas, sempre vedadas. Serge bebia e fumava sem parar seus cigarros da marca Gitanes. Costumava dizer que cantava e escrevia melhor quando sua voz e seu cérebro estavam arruinados. Jane cansou. Após doze anos de convivência, foi embora. Ironicamente, apesar de toda intimidade, sem nunca ter visto o ex-marido pelado! (Serge era muito envergonhado, embora cantasse espontaneamente sobre sexo). E, com maior ironia, sem nunca ter ouvido "eu te amo". Serge jamais disse "amo você" a nenhuma de suas mulheres ("eu sinto, mas não sei como dizer - embora adore ouvir").
Serge Gainsbourg não foi assassinado por um ciumento caminhoneiro homossexual, mas sim por seus companheiros gitanes, em 1991. Sofreu uma parada cardíaca em 01 de março. A França caiu de luto. Mas ficou sua herança, que vai muito, muito além da sua preciosa discografia. Gainsbourg serviu de exemplo e inspiração para a dupla francesa, hoje, de maior sucesso no exterior, o Air ("Moon Safari", primeiro CD da banda, é puro Gainsbourg). Casais de pop-eletrônico, que cantam em francês, imitam descaradamente o clima picante Serge-Jane. Caso da dupla belga "Vive la Fête" e da dupla alemã Stereo Total, autora da gainsbourguiana "L´Amour à Trois". Isso sem falar da DJ Miss Kittin, diva do electro. A letra declamada, meio suja, e a gargalhada que a gente ouve em "Frank Sinatra"....bom, nada que France Gall já não tivesse feito em "Pauvre Lola", dueto com Gainsbourg, ou a própria Jane Birkin em "69 année érotique" , outra canção em parceria com Serge. E tem mais: finalmente, gente do britpop da década de 90 abriu os olhos e se ligou que Serge Gainsbourg foi gênio. A banda Suede entrou na onda. O ar blasé de Jarvis Cocker, do Pulp, agora você sabe da onde vem (Jarvis Cocker, aliás, que inspirou Eddie Argos, vocalista do "Art Brut", moleque de vinte poucos anos que talvez nem saiba qual a origem do jeito meio falado de cantar letras irônicas, que ele adotou...). Portishead, St. Etienne, Hooverphonic, Moloko...todas as vocalistas de trip-hop que cantam com voz arrastada....remetem a quem? Jane Birkin agradece a homenagem. E as guitarras também não ficaram indiferentes a Serge Gainsbourg: My Bloody Valentine e Sonic Youth são manifestamente fãs do francês. Agora você sabe porque Kim Gordon sussurra em "Shadow of a Doubt". Recentemente, bandas legais se uniram em um CD tributo a Gainsbourg: Franz Ferdinand, The Kills, Cat Power, Tricky, Rakes e outros apresentam suas versões, em inglês, para as músicas mais famosas do cantor. Vale muito a pena.
Ufa! Agora você já tem uma pálida idéia de quem foi Serge Gainsbourg, certo? Então, saia em busca do tempo perdido, do tempo que você viveu sem conhecer qualquer outra música dele - além daquela das calcinhas. Dá pra voltar o calendário, até o final da década de 50, quando tudo começou. Internet é a máquina do tempo. Está tudo armazenado nos sites de downloading de músicas, no youtube, no arquivo de fotos do Google. Não se incomode com o idioma, pois as melodias cativam mesmo os iletrados em francês. E se você tá a fim de ler um livrão, vá direto ao "Um punhado de Gitanes" (Ed. Barracuda), de Sylvie Simmons, jornalista da revista inglesa "Mojo" que escreveu uma biografia leve, divertida e precisa sobre o ídolo francês. Todas as informações que botei nesse post foram tiradas desse livro. Incluindo esse pedacinho final: "Serge", conta-nos Jane, "manteve algo que muitos de nós perdemos: a eterna adolescência. Ele ousava fazer coisas que os adultos não podiam fazer, e sempre se safava. Dizia: `a canção é uma arte menor, mas eu a faço para os menores´. Seu desejo sempre foi o de ser amado pelos jovens".
Serge,...je t´aaaaaime!

Saturday, June 23, 2007

Quando a Arte vira Rock, Parte XCIII




"Mstislav Rostropovich", de Salvador Dalí, e Jónsi Birgisson, vocalista e guitarrista do Sigur Rós.

Tuesday, June 19, 2007

Quando a Arte vira Rock, Parte XCII



"Marie Spartali", de Dante Gabriel Rossetti (1.869), e Elizabeth Fraser, vocalista do Cocteau Twins.

Monday, June 18, 2007

Quando a Arte vira Rock, Parte XCI



"When the heart is young", gravura de Maude Goodman (1893), e Nancy Spungen, namorada de Sid Vicious, baixista do Sex Pistols.

Thursday, June 14, 2007

Quando a Arte vira Rock, Parte XC



"Saint Bruno" (não achei o nome do pintor) e Nick Oliveri, ex-baixista do Queens Of The Stone Age.

Wednesday, June 13, 2007

Quando a Arte vira Rock, Parte LXXXIX



"Saint Sebastian", de Jean-Baptiste Camille Corot, e Trent Reznor, do Nine Inch Nails.

Monday, June 11, 2007

Quando a Arte vira Rock, Parte LXXXVIII



"Monument to Charles James Fox" (detail), de Sir Richard Westmacott, e o cantor Tricky.

Saturday, June 09, 2007

Quando a Arte vira Rock, Parte LXXXVII



"Head of a man", de Jean-Antoine Watteau, e Marc Almond, vocalista do Soft Cell.

Thursday, June 07, 2007

Quando a Arte vira Rock, Parte LXXXVI



"Cabeça de um Rei", de escultor húngaro desconhecido, século XIII, e Pete Townshend, vocalista e guitarrista do The Who.

Monday, June 04, 2007

Quando a Arte vira Rock, Parte LXXXV



"Balzac", de Auguste Rodin, e o cantor Ozzy Osbourne.

Sunday, June 03, 2007

Quando a Arte vira Rock, Parte LXXXIV



"Saint Bruno", de René-Michel Slodtz, e Billy Corgan, vocalista do Smashing Pumpkins.