Pearl Jam. Virei as costas para o Pearl Jam quando comecei a ouvir indie rock. Injusto. Não precisava. Meu erro (e de muitos): compará-lo ao Nirvana. Nirvana, som sujo; Pearl Jam, canções redondinhas. Certo, isso mesmo. E qual o problema? Nenhum, percebi há pouco. A guitarra do Pearl Jam não tem necessidade de urrar fora do tom. O baterista (quem é mesmo?) não deve se envergonhar por não ter os bíceps furiosos e a batida insana de um Dave Grohl. Prova: "Given To Fly". Bateria marcial, militar, que prepara o clima para o vôo. A música dispensa imagens; escutando, você identifica o exato instante em que a angústia se liberta em queda livre. Seis anos atrás, eu reverenciava "Given To Fly". Meu encantamento ficou entorpecido por um bom período. E nada como uma agulhada certeira na memória para resgatá-lo. O espinho, muito bem-vindo, foi esse aqui:
"Foi uma queda do decimo quarto andar. Sem alarde, sem negociacoes com os bombeiros, ainda que esses tivessem presentes. No dia seguinte, o que lhe restou foi um rodape num tabloide que dava como chamada "Bacana muito louco pula para a cova." Tivesse investigado como mandam os grandes manuais jornalisticos, o jornal saberia que as coisas nao se resumem a alguns goles de alcool e uma ideia subita. Ele havia imagindo cada fracao de segundo, como pedacos de um filme a serem editados - do momento em que parou seu carro a dois quarteiroes do predio a seu derradeiro contato com o concreto. Tudo foi tao real quanto ele havia calculado. Mas que nao pense o leitor que esse era um realista. A morte por si so quando fruto de um relacionamento so pode ser romantica. Alias, de real mesmo em sua vida, so foram mesmo aqueles 33 minutos entre o carro e o chao. Ele tomara um tapa de realidade na cara. Um tapa nao, uma tijolada, que o fazia ter insonias e lhe causavam ulceras. Foi esbulhado da vida e se vira cativo do real. Antes de pular, sentou num banco de concreto e observou as luzes da cidade e se lembrou dos tempos em que fora mais jovem. Sabia decor cada avenida principal, seus contornos e paralelas, becos e vielas. E se lembra do dia que conheceu Barbarella em seu 3 semestre na faculdade de letras. Ela tinha um sorriso facil que lhe fazia se sentir mais leve e os cabelos castanho claro, divididos ao meio e com uma franja que terminava antes dos olhos, eram tao suaves que pareciam cabelo de crianca. Ele passou horas mexendo nesses cabelos, afinal garoto de papo inteligente e aparencia decente tende a levar vantagem nos cursos de humanas sobre os feiosos de exatas. Em um de seus vaticinios naquelas epocas onde as unicas preocupacoes eram passar o semestre, ele disse, "voce sera minha esposa um dia." Ela com uma feicao quase maternal apenas sorriu um sorriso de aprovacao. Dito e feito: 3 anos depois estavam casados e morando juntos. Sabe-se la o porque, pois em vida de marido e mulher nao se mete a colher, 13 anos depois havia algo de errado. O amor ardente deu lugar ao companheirismo fraterno. A carne ja nao fazia gemer e o espirito gritava por liberdade. O romantico precisa amar. E foi assim que numa festa, ao som de Come Undone do Duran Duran, ele esbarrou em Erica, menina de 20 e poucos anos, cabelos negros e compridos e um ar mais enigmatico do que um personagem de David Lynch. Erica era jornalista e tinha suas aspiracoes limitadas pela editoria de noticias locais onde trabalhava. Era solteira e ao contrario dele, nao havia dado espaco para sentimentos mais nobres em seu coracao. Dizia que a vida profissional era sua prioridade, mas no fundo tinha medo de se entregar completamente. O encontro de olhares foi fulminante para ambos, mas para evitar oprobrio diante dos olhos da sociedade e por compaixao a Barbarella, o relacionamento foi conduzido de forma platonica. Trocas de bilhetes e rapidos telefonemas nos quais mais pareciam discutir os rumos da catilogencia, mas que no fundo era uma desculpa para colherem migalhas da presenca um do outro. O sonho imaculado nao se fez suspiros e carne. Ele desceu de seu pedestal numa noite de 3 de marco. Fez-se humano ao deixar de lado as palidas xicaras de cafe rodeados de dialogos insossos com Barbarella para consumir fatos com Erica. Ele tentou permanecer cego a esperanca e aos medos que existiam da porta pra la do apartamento de Erica quando toda terca se encontravam religiosamente por 3 horas. Mas a vida nao da chances para indecisao. Quem nao se decide nao vive e foi isso que acusou o golpe de realidade nele. Como dizia a cancao no radio, emocoes sao coisas para serem usadas numa manha chuvosa na segunda feira. O sorriso de Barbarella ainda era o mesmo quando o via. Erica, pela primeira vez, sabia o que era amar. E ele, que tinha o coracao grande demais e poder de decisao pessoal de menos resolveu partir, pois a vida ja lhe era um fardo que nao aguentava. No parapeito do predio, sabia que nao poderia simplesmente escolher por uma das duas, ou escolher pela solidao, pois sabia que assim saberia que fragmentados de sua vida seriam perdidos. E a vida e um quebra cabeca no qual a falta de uma peca pode findar o geral. A procela que lhe tomava o bojo seria eterna. Se Barbarella soubesse ficaria machucada para sempre, talvez. Esta para nascer um romantico que cause mal a sua amada. "Mas perai, a amada nao era a Erica?", pensava. Barbarella era um passado bonito, preterito perfeito. Erica era um paraiso a ser alcancado, futuro do presente. A colisao de ambas em seu coracao era presente simples. Realidade para as paginas policiais do jornal de Erica ver. Depauperado das materias do coracao, Ele fechou os olhos e voou. O bilhete de despedida tinha apenas uma linha. "A terra do seria para sempre sera." (Bruno Romani)
Thanks, Nean. Você me fez lembrar de "Given To Fly". E me lembrou de que há coisas que devem se desprender da gente e voar.
Ah. "Galaxy of Emptiness" é título de uma música da Beth Orton. Apropriado.