Sunday, July 29, 2007

Quando a Arte vira Rock, Parte XCVIII



"Jean-Joseph-Marie Carriès", de John Singer Sargent, e JD Samson, do Le Tigre.

Thursday, July 26, 2007

Quando a Arte vira Rock, Parte XCVII



"Portrait of a Goldsmith", de Jan van Eyck, e Michael Stipe, vocalista do R.E.M.

Friday, July 20, 2007

Concertos para a Juventude




Novembro de 2005, Barcelona Teatro Musical. Todos acomodados em suas poltronas, toca a campainha. O quarteto de cordas entra no palco. Toca durante cerca de uma hora. Termina a apresentação e se retira. De novo a campainha. Surgem os músicos principais, acompanhados do mesmo quarteto de cordas. O arco do violoncelo desliza no instrumento e a música começa. Durante quase duas horas, platéia quieta e paralisada. A noite é encerrada ao som frenético da Oitava. O público se levanta, palmas de profundo entusiasmo por vários minutos. Os músicos dão as mãos e inclinam as cabeças em agradecimento. Fim do espetáculo.

De Rock.

O local não era exatamente clássico. O Barcelona Teatro Musical é uma construção de arquitetura moderna, acústica perfeita. O público não era exatamente clássico: gente jovem, estudantes e turistas mochileiros de tênis nos pés. A banda de abertura não era exatamente clássica: Amiina, quatro bonecas islandesas que acrescentaram aos quatro instrumentos de cordas (primeiro violino, segundo violino, uma viola e um violoncelo) um piano digital, sintetizador e computador que produzem melodias eletrônicas. Os músicos principais não eram exatamente clássicos: Sigur Rós é banda de rock nascida na gélida e escura Islândia. O concerto não foi exatamente clássico: imagens eram reproduzidas em telão, luzes multicoloridas irradiavam do palco; o arco do violoncelo deslizava em uma....guitarra. E o gran finale não foi exatamente clássico: a apoteótica música não foi uma Oitava Sinfonia composta por algum célebre compositor, e sim a Oitava faixa do álbum sem-nome "( )", do Sigur Rós.
No século XXI, o Sigur Rós não respeita certos padrões do rock. Suas canções, por exemplo, não têm refrões. Quando há voz, ela é aguda, em falsete...um lamento do guitarrista Jónsi Birgisson, que canta em uma língua....que não existe. O Sigur Rós ousa sem medo. Da mesma forma que, no século XIX, um alemão também ousou. Ludwig van Beethoven não respeitou certos padrões da música clássica. Introduziu um coral em uma de suas composições e assim criou a primeira sinfonia da História a utilizar voz humana. A famosa Nona Sinfonia.
O austríaco Wolgang Amadeus Mozart não foi tão genial quanto Beethoven. Mas sabia compor com emoção inigualável. Impressionado, o também compositor Franz Schubert chegou a dizer: "na Sinfonia em Sol Menor de Mozart, pode-se ouvir o canto dos anjos". As melodias do Sigur Rós também são comoventes. O último disco da banda, o elogiado "Takk", mistura a guitarra distorcida pelo arco do violoncelo ao som clássico de um quarteto de cordas impulsionado pela tecnologia. A voz invernal e solitária de Jónsi dá força às canções. Não é propriamente a voz de um anjo, mas certamente possui um timbre que não parece humano.
A apresentação do Sigur Rós, aquela noite em Barcelona, não foi apenas o melhor show da minha vida. Foi um dos melhores e mais sublimes momentos da minha vida. E acredito que também tenha marcado a existência das várias pessoas que lotaram o teatro, um público completamente heterogêneo: basicamente jovens, mas pais de família também. Número de estrangeiros sensivelmente maior do que de catalães: antes do show, conversas em inglês, alemão, francês e idiomas por mim desconhecidos se confundiam na platéia; todos esperando para ouvir música enriquecida por palavras pronunciadas em uma língua que não existe...
O Sigur Rós já tocou aqui em São Paulo, em 2002 (se não me engano). O show passou batido. Culpa do local (uma tenda armada. Acústica sofrível, clima desprovido de charme). Culpa dos presentes (que batiam papo em diversas rodinhas, desinteressados e na espera pelo Belle & Sebastian, atração da noite). Culpa da banda (o show foi baseado nas faixas dos seus primeiros CDs: sonolentas). Mas os islandeses mudaram. As guitarras, a colaboração das instrumentistas do Amiina, a influência (positiva) de uma grande gravadora reconstruíram o som do Sigur Rós. Torça para que eles voltem a se apresentar no Brasil (em um esquema decente). Se você tiver condições financeiras, vale a pena abrir o Atlas, conferir o roteiro da próxima turnê da banda (que por ora não está excursionando, preparando o novo CD) e ir atrás! Vai compensar cada dólar, libra ou euro gasto, eu prometo.
Sigur Rós, ao vivo, não é um show de rock, não é um concerto moderno. É muito mais.
É uma experiência assustadora.

Monday, July 16, 2007

Quando a Arte vira Rock, Parte XCVI



"Music", de Eugene Delaplanche, e Sarah Neufeld, violinista do Arcade Fire.

Saturday, July 14, 2007

Wednesday, July 11, 2007

Van Gogh´s Walk On The Wild Side




"But remember that the city is a funny place/Something like a circus or a sewer/And just remember different people people have peculiar tastes/And the - Glory of love, the glory of love - the glory of love, might see you through" ("Coney Island Baby", Lou Reed).

Existe um lugar no qual a cor é uma só. A cor da sujeira do cobertor que enrola o bêbado sonolento na calçada. A cor da parede esburacada onde, na rua, a menina esconde o dinheiro que deve ao cafetão. A cor do chão em que se encolhe o moleque, torcendo para que ao menos naquela noite o padrasto chegue da rua e espanque apenas a sua mãe. A cor da mancha estampada no rosto do travesti que atrasou a comissão do policial. Quer conhecer? Então que tal dar uma volta pela zona barra-pesada da cidade? Quem convida é Lou Reed, seu anfitrião e guia. Ex-vocalista e guitarrista da banda "Velvet Underground", hoje em carreira solo, que desde os anos 60 escancara o lado monocromático de Nova Yorque. Trovador urbano que abre portas e janelas de espeluncas, cortiços e hotéis baratos para revelar e contar, através de canções, os dramas, a desesperança e inanição de um mundo pintado em preto-e-branco. Mundo onde, em outra época, em outro país, o jovem Van Gogh se atreveu a passear.

Vincent Willen Van Gogh nasceu em 1853, na Holanda. Filho de família modesta, foi educado e se tornou missionário e professor. Trabalhou na Inglaterra e na Bélgica. Gostava de desenhar. Em 1882, estabeleceu-se em Haya, no seu país natal. E foi em Haya que Vincent saiu às ruas na busca de inspiração e modelos para seus trabalhos. Van Gogh escolheu os marginalizados para retratar. E escolheu o material: somente papel, giz escuro e carvão poderiam traduzir em imagens a miséria e o futuro ausente. Em um asilo para indigentes, encontrou o velhinho Adrianus. Adrianus era um dos "orphan men", apelido dado aos ex-combatentes no conflito que separou e tornou independentes Holanda e Bélgica. Um dos homens que o Estado usou e abandonou quando sobreveio a paz. A figura maltrapilha de Adrianus esteve presente em diversos desenhos simples e tristes de Van Gogh, assim como um dia Lou Reed também se lembrou dos mutilados veteranos de outra guerra, a do Vietnã, na linda canção "Xmas in February".
Adrianus foi o começo. Durante toda a sua vida, Vincent Van Gogh elegeu oprimidos como personagens principais de suas obras. Desabrigados, prostitutas, mendigos. Desabrigados, prostitutas e mendigos que, ao lado de traficantes de drogas, travestis, ex-presidiários ou desempregados, Lou Reed, no século seguinte, colocou sob os holofotes de músicas como "Magic and Loss", "Heroine", "New Sensantions", "Walk On The Wild Side", "I'm Waiting For The Man".
No mesmo ano em que rabiscou no papel os traços duros e sofridos de Adrianus, Van Gogh conheceu Clasina Maria Hoornik, a "Sien". Três anos mais velha, sozinha, dois filhos mortos, uma filha pequena. Grávida do homem que a largou. Vagando pela cidade durante o inverno, faminta e prostituída. Condoído, Van Gogh acolheu a pequena família em sua casa, para dividir com "Sien" a sua pobreza. E para torná-la sua modelo, em troca de pão e um teto, muito embora reconhecesse toda a falta de beleza da moça. Os muitos desenhos de Sien são tão rígidos e duros quanto sua feição precocemente envelhecida e judiada por marcas de varíola. Um dos mais tocantes mostra Sien sentada diante de um forno, fumando. Uma mulher sem brilho. Para Vincent, a vida com Sien era boa. Ele tinha alguém. Apaixonou-se. Mas a ilusão durou apenas um ano e meio. Van Gogh, artista sem dinheiro e ainda longe do reconhecimento (que só chegou depois de sua morte), não conseguia prover o lar. Sien voltou para as ruas. Era o fim. O pintor deixou a cidade. Após um casamento falido, Sien afogou-se. Epílogo de um amor fracassado, protagonizado por gente idem. Como em "Baby Face", na voz e poesia de Lou Reed. Ou na original "Romeo and Juliette": gangues rivais de hispânicos e italianos empatando um romance.
Poucos sabem, mas Vincent Van Gogh produziu mais desenhos do que telas cheias de cor (http://www.vggallery.com/index.html). A explosão de cores marcou a fase do pintor vivida em Paris, anos depois de Adrianus e Sien. Anos depois de ter desistido da escuridão para procurar a claridade e pintar sua tela mais célebre, e uma das mais famosas da História da Arte: "Doze Girassóis Amarelos em uma Jarra". Anos depois de ter se aventurado por becos proibidos e visto, como Lou Reed viu, flores sem cor brotando em latas de lixo, lutando para sobreviver em um lado que nem todos conhecem. O lado sombrio e selvagem da vida.

Sunday, July 08, 2007

Quando a Arte vira Rock, Parte XCIV



"Portrait of Holy Roman emperor Francis II", de Friedrich von Amerling, e Charlie Watts, baterista dos Rolling Stones.

Wednesday, July 04, 2007

A Voz do Cisne







Bailarinas não têm voz. Não precisam dela para dançar. Cantoras não são dançarinas. Porque Música é Arte incorpórea, puro som.
Mas se bailarinas não dançassem emudecidas, o ballet teria a voz de Hope Sandoval. E se Hope Sandoval, a delicada ex-vocalista da banda de dream rock Mazzy Star, arriscasse leves movimentos sobre o palco...seria uma bailarina.
Hope seria então Ninette. Ninette de Valois. A adolescente da foto antiga que nasceu em 1898, na Irlanda, sob o nome Edris Stannus. Começou a dançar aos dez anos de idade. As aulas eram extremamente dolorosas. O frágil corpinho de Edris tentava superar a paralisia muscular causada por poliomielite. A determinação da menina venceu a limitação física. Ela se tornou conhecida já na Inglaterra por seus movimentos graciosos. Adotou então o nome artístico de Ninette de Valois, aproveitando sua ascendência francesa. E aposentou-se jovem, aos 28 anos, com um projeto ambicioso: lecionar, profissionalizar a dança na Grã-Bretanha e fortalecer a imagem do ballet inglês na Europa e no mundo.
Foi assim que Ninette de Valois, tratada por "Madame" por alunos e bailarinos, fundou o British Royal Ballet. Hoje, uma das companhias de dança mais importantes do planeta. Esperta, contratou bailarinos russos de renome para trabalhar, dançar e ensinar sua técnica no Royal Ballet (na década de 60, Rudolph Nureyev foi um deles). Ninette coreografou e produziu os grandes e mais famosos espetáculos de dança. Assim, a primeira montagem na Europa Ocidental do mais bonito ballet da História, "O Lago dos Cisnes" ("Swan Lake"), foi obra da mãe do ballet inglês, em 1934.
"Swan Lake" foi criado pelo russo Tchaikovsky em 1871. Baseado no folclore alemão, conta a história do príncipe que, em uma noite na floresta, encontra um lago sobre o qual flutuam cisnes. Entre eles, uma moça linda, parte cisne branco e parte mulher. Ela revela que é uma princesa enfeitiçada por um mago. À noite, assume forma humana. Quando o sol nasce, vira cisne (quem já viu "O Feitiço de Áquila", filme com Michelle Pfeiffer no auge da beleza, agora sabe qual foi a fonte de inspiração para o roteiro...). Os dois dançam e se apaixonam. O príncipe jura amor e pede que Odette, a princesa-cisne, apareça no baile da Corte, para ser escolhida como sua esposa. O feiticeiro descobre o plano e tenta melá-lo, porque do contrário o encanto se quebraria. Ele disfarça sua filha Odile fazendo com que se pareça com Odette, mas vestida como um cisne negro. Os dois vão ao baile e o príncipe se engana, acreditando que Odile é sua amada. Odile é pedida em casamento e o equívoco do príncipe impede que Odette volte a ser humana. Quando o casal descobre a farsa, se atira no lago e sua morte derrota o feiticeiro. Pedacinhos lindos de "Swan Lake", em uma das montagens do Royal Ballet, estão no youtube, como esse: http://www.youtube.com/watch?v=ZgRjmgT8mzk.
"Swan Lake" é história de amor muda, narrada sem palavras. Tragédia romântica que é apresentada e compreendida somente por meio de harmoniosos movimentos de corpos delgados, piruetas, inclinações, saltos leves, braços finos e mãozinhas que riscam o ar. Ofício que a velhinha Ninette um dia dominou. Hope Sandoval, cantora e compositora americana, tem o porte e a figura de uma bailarina. Estática. Quando se apresenta ao vivo, mal se mexe. Ao invés do cabelo preso das dançarinas, os fios compridos escondem o rosto. Na penumbra do palco, às vezes apenas o discreto bater de um pandeiro prova que o corpo de Hope reage ao ritmo da música. Canções de amor que ela cria e complementa com sua voz. Porque se o ballet não fala, na música, é a voz débil e tocante de Hope Sandoval que apresenta canções que tecem as pequenas tragédias românticas, os amores falhos e as decepções (http://www.youtube.com/watch?v=IWvEXChflEE). E se o ballet é mudo, as músicas de Hope são invisíveis. Só sua voz e poucos instrumentos musicais dimensionam a beleza de cada canção. Sem imagens. "Swan Lake", a versão original de Tchaikovsky, tem quatro atos. "Among my Swan", terceiro disco do Mazzy Star e um dos mais bonitos de 1996, têm doze faixas. Doze canções moldadas pela voz límpida e infantil de uma cantora-princesa. Quando o Mazzy Star se dissolveu, nasceu o "Hope Sandoval and the Warm Inventions". Hope continuou a encantar: http://www.youtube.com/watch?v=XSzumpgxcDs.
Um ano antes de falecer, Madame Ninette foi entrevistada pelo "The Dance Insider", publicação americana especializada em dança. "Qual seu conselho aos jovens dançarinos?", perguntaram a ela. Ninette: "freqüência a uma boa escola e estudo. E alguns são melhores em uma escola do que em outra. Melhor ir para a escola para a qual se tem talento. É como a voz. Nós não forçamos uma voz quando ela é mais suave do que as outras. Nós ensinamos a cantar no seu próprio tom, não é?"
É. Hope Sandoval, voz de bailarina, tem certeza disso.